Wednesday, March 15

RAZÕES PARA MUDAR

1. Quando aceitei integrar a Lista Nacional ao Conselho Geral da candidatura liderada pelo colega Dr. António Martins assumi que era chegado o momento de os Juízes se unirem em torno de um projecto de mudança da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.
O Conselho Geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, é, estatutariamente, o órgão deliberativo e de condução da política da A S J P, que representa em permanência os seus associados, tendo como uma das suas competências a de acompanhar a actuação da Direcção Nacional e das Direcções Regionais e fazer-lhes recomendações.
A sua criação culminou um processo de renovação democrática dos órgãos da Associação Sindical dos Juízes Portugueses que, como aconteceu noutros momentos de mudança, deparou com alguma resistência aparentemente motivada pela incapacidade de reconhecimento que ela era absolutamente essencial à manutenção de uma efectiva ligação dos Juízes portugueses à sua associação.
Mas urge operar uma mudança muito mais vasta no seio da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, pois não podemos quedar-nos no processo de modernização da Associação, pela renovação dos seus órgãos nem pela substituição dos membros que os integram.
Já não basta agora a postura serena e esforçada dos colegas que integraram as anteriores Direcções Nacionais no âmbito de algumas conjunturas particularmente difíceis – é certo – mas que, em verdade, não conseguiu travar a degradação do nosso estatuto sócio profissional nem estabelecer com os cidadãos uma comunicação eficaz e esclarecedora das nossas razões.
A todos os Juízes portugueses se impõe hoje como realidade incontornável a necessidade de operar uma mudança mais profunda na Associação Sindical dos Juízes Portugueses e no seu modo de actuação concreta.
É essa a nossa proposta.
2. Trata-se agora de não adiar, mais uma vez, o nosso futuro colectivo.
Trata-se de dar um outro rumo à Associação Sindical dos Juízes Portugueses.
Este é o tempo do debate das ideias que temos para uma Associação Sindical dos Juízes Portugueses que queremos diferente.
Diferente na sua capacidade de mobilizar os Juízes portugueses para enfrentar os tempos difíceis que se aproximam.
Diferente na defesa da efectiva independência do órgão de soberania que são os Tribunais, de que somos titulares, e da sua dignificação como elemento fundamental do Estado de direito democrático.
Diferente também na reivindicação de melhores condições de trabalho, em todas as instâncias, que nos permitam proporcionar aos cidadãos a Justiça de qualidade a que têm direito.
Diferente na afirmação pública e inequívoca das razões que nos assistem no confronto com um poder político apostado em desacreditar o poder judicial e em pôr em causa a sua legitimidade, esquecendo que ela está expressa na Constituição da República Portuguesa e é cimentada no dia a dia dos Tribunais.
3. Para protagonizar uma Associação diferente há que adoptar, desde logo, uma estratégia de aproximação aos Juízes portugueses, dinamizando as direcções regionais, tornando a Associação e o seu trabalho presente aos Juízes de todas as instâncias e auscultando e dando resposta às suas preocupações.
Mas também uma estratégia que passe pela consagração do Conselho Superior da Magistratura como órgão central na definição das políticas de administração da Justiça e da reforma do sistema de Justiça, pugnando para que seja dotado de meios técnicos, humanos e financeiros que lhe permitam desempenhar essa função.
E que passe também pelo remover de todos os obstáculos à efectiva contingenção de processos em todas as instâncias e à criação de condições de trabalho como pressuposto para que se possa exigir dos Juízes uma resposta adequada quanto à tempestividade e à qualidade das suas decisões.
Uma estratégia que inclua entre as prioridades de actuação a reivindicação da reformulação do actual sistema de formação inicial e permanente dos Juízes, com vista à introdução de soluções que optimizem a aquisição de conhecimentos específicos e bem assim as competências entretanto adquiridas.
Finalmente, uma estratégia de intervenção activa na elaboração de diplomas fundamentais concernentes à actividade dos Tribunais e ao funcionamento do sistema de Justiça, numa perspectiva global e programada da reforma, sejam tais diplomas de natureza processual, organizativa ou substantiva, desde que sejam susceptíveis de interferir com o acesso à Justiça e aos Tribunais.
4. Mas os novos rumos e as estratégias para os manter ficarão comprometidos se não houver da parte da Associação Sindical dos Juízes Portugueses e de todos nós uma mudança clara de atitude.
Apostamos, por isso, na valorização pessoal e profissional dos Juízes proporcionando-lhes condições para poderem, em termos pessoais e profissionais, merecer o respeito e a confiança dos demais cidadãos.
Apostamos na melhoria da qualidade da informação sobre os assuntos da Justiça, estabelecendo as bases de um relacionamento criterioso e profícuo com os órgãos de comunicação social.
Neste contexto da mudança de atitude merece particular realce a adopção, que propomos, de um documento de "Compromisso dos Juízes e do Estado para com os Cidadãos – Carta de Qualidade", no que representa de definição colectiva clara dos deveres dos Juízes para com a sociedade e das condições mínimas de dignidade social e profissional e de independência que têm que ser garantidas aos Juízes portugueses para que deles se possa exigir uma Justiça pautada por padrões de qualidade.
Mas sobretudo apostamos no nosso empenhamento e no empenhamento de todos os Juízes para o conseguir.
5. O programa eleitoral da Lista que aceitei integrar, sob o lema geral "Rumo, Estratégia e Atitude" contêm o nosso compromisso colectivo com estas e com outras ideias e medidas que neste breve apontamento não cabem: a criação de um "Gabinete para a Implementação da Contingentação Processual" a adoptar progressivamente a partir de Setembro de 2007, de um "Gabinete de Estudos e Observatório dos Tribunais" que possibilite à A S J P estar na primeira linha das propostas de solução dos problemas concretos, de um "Gabinete de Comunicação e Imagem" e de um "Gabinete de Apoio ao Juiz" são apenas algumas das medidas práticas capazes de possibilitar a mudança que se impõe.
Umas e outras são as minhas razões para mudar. Numas e noutras o sentido da mudança que queremos.
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses não pode continuar a viver ao sabor do acaso, ao ritmo das marés de processos mais ou menos mediáticos ou dos ventos da agenda política.
Por isso, e porque entendo que a Associação Sindical dos Juízes Portugueses carece urgentemente de tomar outro rumo, de adoptar outra estratégia e de assumir outra atitude, aceitei participar activamente neste projecto de mudança.
Cada um de nós decidirá, assumindo as suas responsabilidades com o futuro que nos espera.

Manuel José Aguiar Pereira
Juiz Desembargador
Cabeça de lista ao Conselho Geral
Lista Nacional
FALAR OU NÃO FALAR
CALAR OU NÃO CALAR

"Assola o país uma pulsão coloquial que põe toda a gente em estado frenético de tagarelice, numa multiplicação ansiosa de duos, trios, ensembles, coros.
Desde os píncaros de Castro Laboreiro ao Ilhéu de Moçambique fervem rumorejos, conversas vozeios, brados que abafam e escamoteiam a paciência de alguns, os vagares de muitos e o bom senso de todos. O falatório é causa de inúmeros despautérios, frouxas produtividades e más-criações.
Fala-se, fala-se, fala-se, em todos os sotaques, em todos os tons e decibéis, em todos os azimutes. O país fala, fala, desunha-se a falar, e pouco do que diz tem o menor interesse. O país não tem nada a dizer, a ensinar, a comunicar. O país quer é aturdir-se. E a tagarelice é o meio de aturdimento mais à mão. Falam os médicos, os notários, os empreiteiros, os varredores, os motoristas, os professores e toda a lista de profissões da estatística e não há corporação que fique de fora neste zunzunar do paleio, vendedores de automóveis, mediadores de seguros, sapateiros que passam a vida a cantar, empregados de mesa, agentes da autoridade, doentes dos hospitais, operadores imobiliários, empregados forenses, e também engenheiros, sem-abrigo, vagabundos, telefonistas, padeiros, patinadores, engraxadores e vândalos.
Imigrantes provindos de países sombrios aprendem aqui a soltar as línguas, aderem ao ofício de dar à taramela, por isto e por aquilo, por tudo e por nada. Passam-se dias, meses, anos, remoem as depressões, adejam os perigos e o país a falajar, falajar, falajar" (Mário de Carvalho, Fantasia Para Dois Coronéis e Uma Piscina, Caminho, 2ª edição, 2004, pags. 11 e 12).
Caricaturalmente esta é a situação que vivemos em Portugal, mas, e os juízes, como enquadrá-los neste contexto.
À tendência natural e tradicional de não falar, junta-se - todavia - uma muitas vezes confessada insatisfação por, por um lado, surgirem poucas vozes a dizer o que os juízes pensam, e por outro, as que surgem, nem sempre lograrem transmitir ideias e mensagens interessantes para os cidadãos (e que contribuam para a sua confiança e respeito pela autoridade do poder judicial), sendo certo que, pela experiência por si vivida, está nas suas mãos a possibilidade de dar inestimáveis contributos para o aperfeiçoamento e melhoria do sistema (porque a condução e a decisão final dos processos passa por si, e, portanto, têm a noção global e concreta das consequências da aplicação da Lei) : "Ninguém garante, até pode acontecer o contrário, que os magistrados tenham as ideias mais correctas sobre o que "devem" ser as leis. Podem até e, naturalmente, sofrem "erros de paralaxe", por estarem "demasiado" mergulhados na realidade judiciária. Mas é importante ouvir o seu contributo. Fortalece a democracia em vez de a "anestesiar" – Francisco Teixeira da Mota, A palavra dos magistrados, in Escrever Direito, Público, 23/05/1993).
Mas a solução não me parece que deva ser o silêncio.
Não me parece que seja correcto desencorajar pessoas a falar, ou a participar no debate público de questões relevantes, bem pelo contrário (o essencial é que haja algo de útil e consistente para dizer, uma mensagem para transmitir).
E as intervenções dos juízes não têm também de surgir apenas no âmbito duma Associação Sindical (a que existe ou outra, porque também era tempo de acabar com esse tabu).
Não devem ficar-se por aí, isto apesar da enorme capacidade de intervenção no exterior que daí resulta (capital este que tem sido desaproveitado e mesmo por vezes malbaratado, sendo certo que mais uma vez volta a ser possível, dar a oportunidade a quem pode fazer diferente, para melhor). E é para o exterior que os focos devem estar virados : não para dentro, para os juízes - porque isso acaba por enfraquecê-los - mas para fora, para os cidadãos, porque eles podem ser os nossos melhores aliados (desde logo por serem os principais beneficiários de actividade jurisdicional desenvolvida com condições e com meios adequados).
Os juízes não podem estar confinados numa redoma que não só não os protege como não os defende, têm é de aparecer (enquadrados ou não), mas com discursos consistentes, credíveis e respeitados (pondo de lado as pequenas vaidades pessoais dos que querem aparecer e dos que querem evitar que outros apareçam...).
O que se deve pretender é a existência de juízes que não sejam amorfos, funcionarizados e cinzentos (mas a intensidade cromática do verde eléctrico fluorescente, também é de evitar), que sejam conscienciosos, responsáveis, ponderados e sensatos, sem deixarem de ser trabalhadores, empenhados, interessados e preocupados, não só na resolução dos litígios que lhes cabe resolver, mas também na melhoria e aperfeiçoamento do sistema em que se inserem.
No panorama comunicacional em que nos movemos e ao qual não podemos escapar (porque existe no mundo real), estamos em pleno processo de recíproca aprendizagem e compreensão dos mecanismos de funcionamento do mundo judicial e do mundo da comunicação, necessário é que se tenha a consciência de que os juízes sendo cidadãos como quaisquer outros, têm responsabilidades especiais (com convicções, com opiniões, sobre o Direito, sobre a Política, sobre Desporto, sobre a sociedade).
E elas têm de ser assumidas: sendo conhecida a sua actividade, um juiz que fale fora do exercício das suas funções, dificilmente pode dizer-se que fala apenas o cidadão, pois mesmo que a intervenção seja a título pessoal, sendo conhecida a profissão, a actividade do opinante, a sua exposição passa a ser diferente, pois não só está a usar o meio de comunicação, passa também a ser usado por ele ("O circo mediático que nos cerca, nos seca, atingiu o pico do voyeurismo. [...] Excitar é a nova função que se exige (depois da de produzir e de consumir) ao ser humano para ser ficcionado - maneira de ganhar existência nos nossos delirantes, coleantes imaginários" - Fernando Dacosta, A volúpia, Visão, 13 de Fevereiro de 2003, pag. 130).
Dizia António Gala que um "toureiro não representa o conjunto dos toureiros, (...) como um escritor não representa a literatura; mas um juiz, sim, representa o poder judicial" (citado por Alberto Sousa Lamy, Advogados e Juízes na Literatura e na Sabedoria Popular, Volume 2, Ordem dos Advogados, 2001, pag. 170), isto, talvez "porque, inconscientemente, a sociedade pense que a justiça constitui um mundo à parte, de que os juízes são ao mesmo tempo a figura visível e a expressão mágica que assume em nosso nome a responsabilidade de julgar.
Tudo se passa para a imensa maioria como se só houvesse justiça porque há juízes" (Eduardo Lourenço, O Tempo da Justiça, in O Explendor do Caos, Gradiva, 3ª edição, 1999, pag. 84).
De facto, não "se trata de separar o juiz da sociedade na que deve estar integrado, mas sim de reconhecer que o cidadão comum entende qualquer opinião do cidadão juiz, como própria deste e não daquele .(...) O cidadão juiz tem limitada a sua liberdade de expressão e de comunicação em vista da consecução do interesse geral que supõe a obtenção do respeito do cidadão e a crença deste na imparcialidade e recto proceder do juiz na aplicação das leis" (Santiago Martínez-Vares Garcia, Estatuto Judicial y Límites a la Libertad de Expresión e Opinión de los Jueces, Revista del Poder Judicial, Número Especial XVII, Justicia, Información y Opinión Pública, I Encuentro Jueces-Periodistas, Noviembre 1999, pag. 378).
Importa procurar o ponto de equilíbrio entre as necessidades do mundo da comunicação e as do mundo judicial e ele só será logrado quando for possível encarar com alguma normalidade a presença de um juiz a falar dos problemas da justiça num órgão de comunicação social e quando o seu discurso se mantenha dentro de um determinado paradigma de prudência, serenidade, racionalidade, equilíbrio e contenção.
Convém, em todo o caso relembrar e nunca esquecer, no que respeita a intervenções ou opiniões sobre concretos processos, os juízes apenas o podem fazer no condicionalismo restritivo do art. 12º, do EMJ (nº 1 – "Os magistrados judiciais não podem fazer declarações ou comentários sobre processos, salvo, quando autorizadas pelo Conselho Superior da Magistratura, para defesa da honra ou para a realização de outro interesse legítimo" ; nº 2 – "Não são abrangidas pelo dever de reserva as informações que, em matéria não coberta pelo segredo de justiça ou pelo sigilo profissional, visem a realização de direitos ou interesses legítimos, nomeadamente de acesso à informação").
Aí sim, são declarações desaconselháveis e a evitar: um juiz não discute na praça pública as decisões concretas de colegas seus e muito menos as suas (a perturbação e confusão que tal provoca nos cidadãos é, no mínimo, descredibilizadora e geradora de desconfiança : "A justiça repousa não só na racionalidade do sistema e no formalismo das leis, mas também em algo de mais difuso e menos objectivo : a confiança" - António Barreto, na obra colectiva "Interrogações à Justiça", Tenacitas, 2003, pag. 21) .
Não "é realista imaginar que só a racionalidade rege as condutas em sociedade. Mas já é mais possível, pela contenção e pelo recato dos juízes, por um lado, mas também, por outro, dos acusadores e dos defensores, assim como dos políticos e dos funcionários judiciais e até dos professores universitários, que as emoções não tenham como fonte e autor justamente os que, profissional ou funcionalmente, deveriam zelar pela frieza e pela insensibilidade do processo judicial . Sempre houve emoções com a justiça, sempre e cada vez mais as haverá (...). Mas tudo deve ser feito para que os protagonistas e profissionais da justiça delas se abstenham, ao menos em público : tanto quanto moral, é uma exigência profissional . Que gera a confiança da população" (António Barreto, ob. loc. cit.).
Falar em abstracto sobre as questões poderá ser uma defesa, mas nem sempre é possível, ou nem sempre funcionará, quer pela voracidade dos media, quer porque o tema em abstracto poderá ser induzido com alguma facilidade a fazer-se corresponder à situação concreta que está em causa num qualquer processo mediatizado: nesta circunstância não falar pode mesmo ser a melhor opção, a não ser que se tenha a arte de lograr evitar as dificuldades assinaladas.
Relevante em todos os casos é a necessidade de se ter a consciência de que não se pode falar na televisão ou dizer nos órgãos de comunicação social, o mesmo que se fala ou diz em casa com e para os amigos, ou numa mesa de café com colegas: as exigências são distintas, o público é diferente, o grau de perigosidade é incomparável .
O que num lado é encarável como um simples exercício de crítica, ou um inconsistente desabafo (ou mesmo um saudável maldizer), no outro, passa a ser notícia e tratado como tal : quando se fala para um órgão de comunicação social (mormente para a televisão, pelo seu impacto) é preciso ter cuidado com o que se diz e como se diz, é essencial o rigor na escolha das palavras (e um juiz tem de ter consciência que tudo o que vai dizer será escrutinado ao pormenor).
A intervenção pública de um juiz passa, assim, por três palavras, reserva, prudência e equilíbrio.
Passa ainda pela gestão do seu discurso, bem preparado, cauteloso, moderado.
Passa pelo evitar a precipitação do discurso irreflectido e/ou incendiário, ou do aumento da emotividade da situação.
Passa pelo auto-domínio, pela objectivação, pela racionalização, pela contribuição para uma opinião pública esclarecida.
E há duas linhas que um juiz não pode nunca ultrapassar na sua intervenção pública: a da serenidade (indissociável da ponderação) e a da educação.
Um juiz alterado pela emoção, ou pela irritação, um juiz deselegante, incorrecto, descontrolado, disparatado, agressivo, desequilibrado, corresponde a uma machadada fatal na imagem que se pretende que a sociedade tenha da sua Justiça e dos seus Juízes : o caminho não pode ser nunca esse, pois, a seguir-se, mais cedo ou mais tarde, acaba por fazer-nos naufragar a todos (aos que o percorrem e aos que o vêem e com ele se preocupam).
A "justiça é discreta e não clamorosa" (Eduardo Lourenço, O Tempo da Justiça, in O Explendor do Caos, Gradiva, 3ª edição, 1999, pag. 86) e os juízes, como a sua face mais visível e exposta, também o devem ser, pese embora "a tentação mediática" constitua "um perigo real para a independência do juiz: é que, quando aceita ser notícia ou cede à tentação de fazer a defesa pública da sua imagem, o juiz corre, inevitavelmente, o risco de se deixar enredar em laços que, aos olhos do público, lhe roubam a independência.
E roubam-lha, porque o cidadão só acredita na independência do juiz quando este se lhe apresenta como alguém que, sem nunca perder a serenidade, se atém apenas aos factos, mantendo-se sempre indiferente ao que se diga ou possa dizer-se do caso que tem de julgar" ("O juiz deve ser um sujeito que goze de credibilidade social, dadas as características da sua função . O exercício da sua liberdade de expressão não deve desvalorizar o próprio crédito de quem a exerce nem dos outros órgãos jurisdicionais" - José Gabaldón López, Estatuto Judicial y Límites a la Libertad de Expresión e Opinión de los Jueces, in Revista del Poder Judicial, Número Especial XVII, Justicia, Información y Opinión Pública, I Encuentro Jueces-Periodistas, Noviembre 1999, pags. 424-425).
De resto, tudo (ou quase) pode ser dito, mas tem de se saber e ter os devidos cuidados com o que se diz e o como se diz, tendo presente que, desejavelmente, a intervenção pública de um Juiz deve sempre ser pautada por preocupações pedagógicas, sendo necessário que, quando se intervém se tenha a consciência das responsabilidades inerentes à função.
Na prática são regras de bom senso.
Por isso, o Juiz não deve ter medo de intervir, individualmente ou em colectivo.
Não deve calar, deve contribuir para o debate, deve ser pro-activo, procurando ser parte das soluções e não ser ele a criar os problemas.
Não é fácil esta gestão. Mas é possível. Mais, é desejável.
Edgar Taborda Lopes
Juiz de Direito
DÊEM-NOS A MÃO!

Oriundo do XXII Curso Normal de Formação e tendo tomado posse como Juiz de Direito em fase de estágio em Setembro último, colocar-se-me-á a breve trecho, tal como certamente a todos os colegas daquele curso, o problema da escolha da(s) comarca(s) pretendida(s) para efeitos de colocação em primeira nomeação.
Ora, pretendendo-se que tal escolha seja suficientemente esclarecida e ponderada, eis que surgem os primeiros focos de incerteza e preocupação baseados na total ausência de um acervo informativo – por mínimo que seja - a que possa recorrer-se para esse efeito.
É neste contexto que, em meu entender, e designadamente para quem se encontra em início de carreira, assume primordial importância a proposta de criação de um Gabinete de Apoio ao Juiz, inscrita a traço grosso no programa com que a lista encabeçada pelo Desembargador António Francisco Martins se apresenta às próximas eleições para os órgãos sociais da Associação Sindical dos Juizes Portugueses (A.S.J.P.).
De acordo com aquela proposta, o Gabinete de Apoio ao Juiz será criado na dependência de um membro da direcção nacional, com uma filosofia de funcionamento baseada na informalidade e na agilidade, e terá por função, designadamente, organizar e manter actualizado um documento informativo com o levantamento das principais características dos tribunais de primeiro acesso, em aspectos como a envolvente sócio-económica da comarca, o estado dos tribunais, a pendência processual, o preenchimento dos quadros dos funcionários, a existência de casa de função e suas condições.
Por outro lado, sem prejuízo da justa pretensão de igual abrangência dos lugares de acesso final, o Gabinete assumir-se-á simultaneamente como um pólo ininterrupto de apoio ao nível das questões burocráticas e logísticas que enquadram ou condicionam o exercício das funções dos juizes em início de carreira, visando contribuir para uma melhor integração dos novos magistrados e para a melhoria do sistema de justiça.
É esta, estou certo, a fórmula correcta de colmatar uma lacuna há muito sentida e que, de resto, começa prematuramente a sentir-se no Centro de Estudos Judiciários (C.E.J.), aquando da escolha das comarcas para realização do 2.º ciclo de actividades e, posteriormente, para colocação em fase de estágio.
Aliás, era desde logo da parte da Instituição C.E.J. que esperava – creio que acompanhado pela maioria dos colegas – um maior impulso no que tange à integração dos magistrados ali acabados de formar, os quais, já depois da primeira nomeação, acabam por ficar dependentes da disponibilidade e do espírito de missão de docentes e juizes formadores que, esses sim – faça-se essa justiça! -, continuam a dar-nos a mão, mesmo quando sobrecarregados com a formação de novos auditores de justiça e juizes estagiários.
E ainda que, contra tal sentimento, se argumente com a primordial importância das acções de formação permanente – essa sim preocupação enquadrável nas atribuições do C.E.J. -, o certo é que o fomento das mesmas, sendo imprescindível, se afigura insuficiente para o permanente esclarecimento das dúvidas do dia-a-dia, sejam elas jurídicas, logísticas ou burocráticas.
É que ao juiz em início de carreira exige-se, não apenas o apetrechamento técnico-jurídico necessário ao desempenho das funções jurisdicionais que lhe são confiadas, mas também o indispensável apoio em tarefas eminentemente administrativas que terá de desempenhar, como seja, desde logo, o exercício da presidência do tribunal (que preparação nos é dada para isso?), com todas as complexas e delicadas competências inerentes à mesma.
O mesmo se diga, mutatis mutandis, do Conselho Superior da Magistratura, ao qual, de acordo com o que me venho apercebendo, não se podem cantar loas no que às referidas preocupações concerne, até porque –cumpre reconhecê-lo - o mesmo se defronta com indisponibilidade de meios e com atribuições de carácter institucional que absorvem os poucos meios de que dispõe, não dando porventura espaço a essas novas preocupações que aqui se reclamam.
Tais preocupação estão, de resto, igualmente ausentes por completo da actual direcção da A.S.J.P.
Com efeito, ante os difíceis desafios com que a nossa profissão se debate e consciente da relevância que, perante os mesmos, a sindicalização assume nos dias que correm, aderi à A.S.J.P. no próprio dia em que tomei posse como Juiz de Direito, nada tendo no entanto recebido de incentivo a essa atitude ou de especial dedicação e acompanhamento por parte da associação neste início de carreira.
E tal como eu, muitos dos colegas do XXII Curso (creio que posso falar por grande parte deles) sentem de forma especial esse «abandono», pelo que estamos ávidos de encontrar quem nos dê a mão, sendo certo que, vindo essa ajuda da A.S.J.P., ela funcionará ainda como forma de cativar novos membros para o seio da associação, com o que isso significa, para além do mais, em termos de engrandecimento das perspectivas de trabalho, de colaboração e da congregação de vozes na prossecução de objectivos comuns.
Sentir na referida lista candidata à A.S.J.P. preocupação por aquelas e outras relevantes questões que inelutavelmente se colocarão em breve aos juizes oriundos do XXII Curso Normal de Formação, faz com que, por um lado, todos nos possamos rever nos propósitos com que a aquela lista se apresenta a eleições e, por outro, com que se abra um capital de esperança para um futuro que começa... hoje!

João Ricardo Carreira
Juiz de Direito em fase de estágio
no Tribunal Judicial da Comarca da Moita
Candidato a Vogal Suplente da Lista da
Direcção Nacional
PELO FIM DOS "HERÓIS DO TRABALHO"

O desabar dos regimes do "socialismo real" fez cair no esquecimento os "heróis do trabalho", que os membros das oligarquias soviéticas condecoravam e exibiam por causa dos recordes que estabeleciam nas suas diversas áreas de actividade. Embora não trazendo benefícios económicos, a dedicação ao trabalho era aí, ao menos, apreciada e reconhecida.
Década e meia depois da queda do Muro de Berlim, a gestão da Magistratura portuguesa continua a querer gerar heróis do trabalho judicial: quem abdicar de uma vida pessoal e se dedicar inteiramente às funções, pode, talvez, aspirar a ter o serviço em dia e, com alguma sorte, a ser agraciado nas inspecções.
A diferença é que em Portugal o poder político desconsidera o poder judicial, mesmo para efeitos de propaganda, e o usa indistintamente como bode expiatório da incapacidade política de afectar à administração da Justiça os meios necessários a garantir dela uma resposta adequada a uma procura cada vez maior e mais complexa, num labirinto legal cada vez mais intrincado.
E, basta sair do círculo de juízes e de quem trabalha diariamente nos tribunais para que o calvário que todos conhecemos se torne noutra coisa: o que o cidadão comum sabe quando lhe falam de justiça é bem diferente. Sabe das convocatórias sucessivas para julgamentos adiados, da absurda demora da única causa que é a sua, de quanto lhe custou a perda da demanda em que se viu envolvido ou mesmo o seu ganho, e sabe dos "privilégios dos juízes" - dos "três meses de férias" que o Governo, em parte por saber da Justiça só o que sabe o cidadão comum, em parte por descarada má fé, nos imputou – para alijar responsabilidades que são suas e por desforra e desagravo.
Perante estas duas pré-compreensões do actual estado da Justiça, não há pontes possíveis.
Como os esforços da actual Direcção da ASJP provaram, qualquer diálogo é um monólogo de surdos.
Posto isto, há duas alternativas:
- resignarem-se os juízes, como o têm feito tempo demais, suportando a hostilidade da opinião pública, fazendo os possíveis por dar aplicação a leis asininas ou impraticáveis - frequentemente ambas as coisas -, ajustando a agenda ao aumento exponencial de trabalho e tolerando a degradação das condições de funcionamento dos tribunais;
- ou enfrentar os detractores e demonstrar que quando eles dizem que sabem do que é que estão a falar… não fazem ideia nenhuma.
É neste cenário de radical desadequação entre o que se exige e o que se garante – já não entre o muito que se tinha de fazer e os poucos meios disponíveis para tal – que a actuação da Associação Sindical dos Juízes Portugueses se tornou decisiva.
Decisiva para cada um dos associados. Decisiva para cada um dos Juízes.
Decisiva para a salvaguarda do sistema de justiça como Poder autónomo do Poder Político.
E decisiva para a manutenção, de facto, dos Tribunais como órgãos de soberania.
Porque o actual estado da Justiça em Portugal é mau.
Porque a confiança dos cidadãos nas magistraturas talvez nunca tenha sido tão baixa.
E porque há responsáveis por isso – que não são seguramente os Juízes, excepto pela passividade e perda de horizontes a que foram conduzidos pelo afunilamento em volumes crescentes de trabalho, enquanto a Justiça que lhes cabia aplicar se degradava de dia para dia.
É chegada a hora de pedir contas e de denunciar a irresponsabilidade de planeamento que permite que haja juízes com 3, 5, 7, 9…mil processos.
É necessário exigir do Poder Político – e dos órgãos de gestão da Magistratura – que cumpram as suas obrigações.
Se com a desconsideração que nos vota o poder político podemos bem e dormimos melhor, não nos pode ser indiferente o que pensam e querem os cidadãos: a Justiça é demasiado importante para ser deixada nas mãos dos políticos. O que é preciso é criar condições para que seja da sua conveniência e interesse eleitoral haver uma administração da justiça eficiente e prestigiada.
E isso, Colegas, não se faz com o sacrifício inatingível dos "heróis do trabalho". Faz-se com a reabilitação de uma imagem que se foi progressivamente degradando. E faz-se com a contingentação processual. Essa não é uma promessa: é aqui e agora, uma inultrapassável e inegociável necessidade.
Necessidade ainda mais premente quando se discute a responsabilização dos juízes por decisões injustas - e se exclui a responsabilização dos decisores políticos que vertiginosamente conduzem o nosso País à cauda da Europa.
Por muito tentador que seja desistir, a verdade é que o nosso compromisso de Juízes não é para com o executivo. Como os outros, também este há-de passar - e todos sabem que o que uns fazem, os seguintes desfazem, ao sabor das conveniências e interesses eleitorais.
Se merecermos a confiança da maioria, seremos porta-vozes não só dos que optaram por resistir, ainda e sempre (como os irredutíveis gauleses), mas também dos que desistiram: dos muitos que, absorvidos pelo desumano ritmo da agenda a que se impuseram, trabalham ainda continuamente e renunciaram a tudo o mais; dos muitos outros para quem a injustiça e desproporção do discurso governativo fizeram quebrar os laços de respeito entre órgãos de soberania e perder o interesse por tudo quanto lhes diga respeito; dos restantes que só esperam a oportunidade para se reformar ou abandonar uma carreira que antes abraçavam com dedicação…
Com o Desembargador António Martins a ASJP terá projectos pelos quais apresentará contas aos associados, e pelos quais quererá ser julgada nas próximas eleições.
É por isso que estou nesta equipa: candidato-me à Direcção Regional Sul da ASJP por uma Justiça forte e prestigiada - e pelo fim dos heróis do trabalho.
É chegada a altura de os Juízes tirarem os dedos das brechas da barragem.

Rosa de Vasconcelos
Juiz de Direito
Candidata a Secretária Regional
do Sul pela Lista A
RUMOS DE MUDANÇA

Vivemos numa época particularmente conturbada na área da justiça, propícia ao desferir de sucessivos ataques à independência do poder judicial. O que significa, e porque são os Juízes os garantes dessa independência, que são eles os alvos preferenciais e apetecíveis desses repetidas e criteriosas afrontas que vão recrudescendo.
Para propiciar tais atitudes, procura instilar-se de uma forma insidiosa junto da opinião pública que são os Juízes os responsáveis da denominada "crise da justiça".
Assim, são os Juízes que suposta e alegadamente trabalham pouco, adiam, atrasam os processos e proferem decisões excessivamente fundamentadas/sem fundamento, eruditas/primárias, curtas/longas, brandas/severas e por aí adiante, sempre numa visão negativa da sua actuação.
Assim, minados os alicerces, procura-se ainda desacreditar a Magistratura Judicial, acusando-a do gozo de privilégios injustificáveis, tais como férias, subsídios e assistência médico-social.
É evidente que todos nós Juízes, bem como todos os demais cidadãos esclarecidos, sabemos do infundado e da ignomínia que constituem tais propaladas opiniões.
Sucede que num país onde a taxa de (i)literacia é a que se sabe e em que o mérito é repudiado e fonte de inveja, a verdade é essas mesmas opiniões se sedimentam, também pela repetição, como sendo verdades incontornáveis e absolutas.
Neste contexto, com a progressiva degradação da imagem dos Juízes, mais fácil se torna de alcançar o escopo de deslegitimação e subversão do poder judicial para o que têm sido dados passos seguros.
A falta de condições de trabalho, de assessorias, de leis tecnicamente bem concebidas e duradouras, da participação efectiva de Juízes na elaboração desses diplomas que lhes dizem respeito, da não implementação dum modelo de contingentação, do trabalho à noite ao fim-de-semana, nas férias (que não judiciais), tudo é ignorado, contemporizado, relativizado, se não mesmo negado.
Neste clima de, chamemos-lhe assim, realidade virtual ou invertida, fácil foi, hipocritamente, adejar a bandeira das férias judiciais como o primeiro de muitos combates a travar para a realização do putativo interesse público e contra os ditos interesses corporativos instalados.
Nesse decorrer, fruto da ignorância e má-fé do poder político, aprovou-se mais uma lei absurda, confusa e contraditória, como outras absolutamente injustificadas mesmo de uma canhestra perspectiva económica como a extinção para os Magistrados dos serviços médicos sociais do ministério da justiça, sem que jamais houvesse o propósito de dotar os Juízes das condições para o cabal desempenho das suas funções como órgão de soberania que constituem.
Estão pois lançadas as bases para a contínua degradação do nosso estatuto sócio-profissional, tendo sempre em vista um poder judicial tíbio, moldável pelo poder político, avizinhando-se assim, com esse desiderato, a breve trecho a tentativa de instalar a "carreira plana", com as instâncias superiores a serem preenchidas com juristas de "reconhecido mérito" - com algumas amostras decorativas de verdadeiros Juízes -, isto é por regra com a falta de mérito e qualidades para ser Juiz, hipotecando-se a qualidade e independência do poder judicial nas instâncias superiores.
Curiosamente, e previamente, surge veiculada abertamente uma proposta em que se pretende que se venham a julgar os deputados e ministros pelo Tribunal da Relação, ou melhor por aquele projectado Tribunal da Relação, que certamente faria a justiça que se pretenderia que fosse realizada pelos mentores de tal projecto.
O desafio lançado ao poder judicial que quer manter o seu estatuto de independente não enquanto interesse próprio, mas como garantia da realização do estado de direito democrático, é deste modo enorme, sendo as próximas eleições para a ASJP de fundamental importância, pois os eleitos terão uma tarefa de notória responsabilidade.
Tal passará, antes de mais, por abolir a inércia actualmente existente e que após a recente greve se revelou de todo em todo insuportável, tornando frustre a confiança que os Juízes depositaram naquela medida extrema, ou a que aderiram apenas para dar um sinal de vitalidade e união da classe, atenta também a forma esforçada mas pouco conseguida como foi conduzido todo o processo.
É assim necessária uma ASJP renovada, forte, empenhada e que saiba e consiga transmitir as suas opiniões nos órgãos de comunicação social, através de um adequado gabinete de comunicação e imagem, com profissionais capazes e preparados para o efeito. Como necessário é projectar uma nova imagem – real - da classe alijada do estigma do "sacerdócio", qual seja a de um poder não alheado socialmente, mas com deveres na mira de uma sociedade pacificada e mais justa e com correlativos direitos que o Estado deve assegurar. Terá de ser assim revelada uma Magistratura interventiva, ao arrepio do passado, com uma postura de abertura para com a sociedade.
A conjuntura, repete-se, não é fácil, acredito, contudo, que é possível reabilitar e tornar adequado o nosso estatuto sócio-profissional às funções por nós desempenhadas e reagir por forma a permitir a que o poder judicial possa continuar a ser independente em Portugal e a acolher cidadãos de verdadeiro mérito e competência para serem Juízes.
Por tudo, porque acredito nas ideias, mas sobretudo nas pessoas, aceitei o convite que me foi formulado para integrar a lista liderada pelo Dr. António Martins, por forma a que o associativismo judiciário possa ganhar um rumo bem definido, dentro de um plano de actuação gizado cuidadosamente, estratégia essa que impõe uma atitude ética de responsabilidade e de entrega que espero e desejo empreender no âmbito da ASJP.
Como sempre, com conhecimento e em consciência, vós, Juízes, decidireis.
Luís Miguel Vaz da Fonseca Martins
Juiz de Direito
Candidato a Secretário Regional
do Norte pela Lista A
A DEPRESSÃO E (ALGUNS) CAMINHOS DE MUDANÇA
- debilidade da jurisdição, a crise
e o papel da associação dos juízes

1- É patente que o sistema de justiça sofre, no seu todo, as consequências de uma operação de cerco, diabolização, menorização e deslegitimação com evidente relação com a prolongada novela político-judicial-mediática do processo "Casa Pia" e outros casos que envolveram políticos e poderosos.
Tudo indica, ao mesmo tempo, que existe uma turva estratégia de ruptura, com os modelos construídos ao longo de trinta anos de democracia, que se alimenta com os climas da opinião política e da opinião pública inflamados nesse processo.
É uma estratégia de ruptura que se adivinha, mas que carece, para já, de rosto definido, de propostas claras, de fundamentação, de massa crítica para a sua operação. Afirma-se por sinais, ameaças, insinuações, provocações, modeladas numa campanha de agit-prop contínua destinada a debilitar, desorientar, confundir enquanto parece não surgir a oportunidade de "entrar a matar". Entretanto, vão sendo lançadas propostas, ao jeito de balões de ensaio, para a intromissão do poder político no judiciário como é o caso da "comissão para as escutas" ou a da "lei-quadro de política criminal", assentes numa inimiga desconfiança sobre a idoneidade e credibilidade do sistema e, por isso, num caminho de acentuada politização da justiça.
Trata-se, por enquanto e no cenário mais contido, talvez só de um sentimento e não ainda de um verdadeiro pronunciamento.
Mas o prolongado arrastar desse sentimento gerou já uma deriva extremamente perigosa e que permite antecipar que talvez estejamos a atingir alguns points of no return na cultura judiciária e na solvência do sistema e do Estado Democrático.
O Governo, através dos órgãos institucionais próprios, não resguarda o respeito devido, no discurso e nos actos, às instituições e protagonistas da jurisdição. É autor de tiradas incendiárias e de grandes e pequenos actos de gestão inconsequentes, hostis, sem nenhum esforço de explicação, justificação ou de concertação para o interior da organização.
Não profere, ainda que apenas no plano das aparências de Estado, qualquer discurso de conforto para com o papel da jurisdição. Nega até qualquer diálogo plural com outras forças políticas de expressão parlamentar, desvalorizando o relevo para o Estado constitucional dos assuntos do poder judicial, como se de meras questões particulares da administração pública se tratassem.
Entretanto, os juízes fervem de indignação. Sentem-se cada vez menos considerados como titulares de órgãos de soberania e cada vez mais como funcionários executores.
A jurisdição é, assim, debilitada por efeito da acção externa induzida pelo governo e debilita-se a si própria no caldeirão aceso da frustração e da desmotivação dos juízes.
Tudo isto é conhecido e, na minha opinião, de uma enorme gravidade. Esta debilidade conduz na via recta à cultura da jurisdição de baixo perfil e de escasso rendimento. A crise torna-se, só por isso, uma crise política (no quadro do modelo constitucional democrático) e uma crise operativa (na perspectiva dos resultados da organização).
O que parece desejado externamente, por quem alimenta o clima de cerco, é o regresso (em pleno século XXI) ao modelo do juiz napoleónico, burocrata, dócil, mero executor (incapaz de ser "força de bloqueio"). E ao que parece conduzir o clima "reactivo" dos juízes é a um desempenho "sem levantar ondas", das 9 às 5, sem afectos pela organização e pelos seus resultados. Este peculiar encontro prático de (des)interesses é potencialmente explosivo para os interesses da aplicação material da Constituição e da separação de poderes.
2- Que podem os juízes fazer colectivamente e o que têm feito?
Lamento dizê-lo, mas as perspectivas de trabalho da Associação dos Juízes no passado ajudaram a precipitar o reactivismo voluntarista instalado, tornando-o inteiramente inevitável. Um modelo desenvolvido de sindicato "tout court", formatou o trabalho associativo de tal forma que o sucesso ou insucesso dos dirigentes passou a ser medido fundamentalmente pelos maiores ou menores ganhos salariais alcançados por cada direcção. Em consequência, a acção lateralizou as questões estratégicas da valorização da jurisdição e do papel do juiz, enfrentando-as apenas numa lógica reactiva e criticista, acentuada sobretudo quando questões relativas à independência externa da jurisdição pareciam estar em causa (sem que as questões da independência interna tenham merecido igual atenção).
Esse modelo imperfeito não corresponde hoje aos interesses da jurisdição, ao espírito fundador, nem ao sentimento dos juízes, associados ou não – é sabido que quando se referem à ASJP com carinho, ou apenas com normalidade, a designam por "associação" e quando a querem diminuir a tratam por "sindicato".
Esse modelo não ajuda a pensar o sistema, a conceber uma visão de curto, médio e longo prazo, a formular propostas consentâneas, a intervir com um argumentário sólido no aperfeiçoamento das instituições.
Decididamente, não ajuda a resolver e a prevenir disfunções da organização da jurisdição, sendo que é aqui que se encontram os maiores problemas que o juiz hoje enfrenta e que necessita de, colectivamente, pensar e resolver.
Que propostas concretas e detalhadas são conhecidas à Associação para racionalizar as cargas de serviço que cada juiz tem de suportar, para o aperfeiçoamento do mapa judiciário, para a gestão dos tribunais, para o sistema de recrutamento e formação dos juízes, para o Estatuto dos Juízes, para a consolidação do órgão de governo da jurisdição (o CSM/CSTAF), com a relevância que deve ter? A verdade é que nenhumas. Não havendo propostas, não há discussão, não se constitui massa crítica, não se constrói uma visão colectiva.
E sem essa visão, sem um exercício de constante prospecção do futuro e do papel da jurisdição e do juiz, pouco se pode fazer para participar construtivamente no aperfeiçoamento da jurisdição, de forma responsável, serena e prestigiante. Em suma, não se ganha a autoridade colectiva que todos precisamos para que o sistema tenha o afecto e o comprometimento por parte de cada juiz.
A ausência de todo este "trabalho de casa" conduz ao reactivismo imediatista, sem a prudência e a credibilidade da sabedoria colectiva construída.
É evidente que, nesse caso, as coisas não podem ser diferentes do que são hoje. Não critico a actual direcção da ASJP pelo desempenho (dedicado, reconheço-o) que teve nesta crise de dimensões não vistas antes. Tirando um ou outro erro de palmatória, a sua actuação teve o seu quê de óbvio e inevitável. Mas critico o modelo de trabalho, na sua dimensão exclusivamente sindical, e penso que tem de ser alterado de uma vez por todas.
Não é mais desejável o cenário de combate de trincheiras, inteiramente reactivo, sem objectivos estratégicos alargados, no qual cada acção repete uma acção anterior, sem que seja possível antever novos passos para evolução positiva do conflito instalado. Sobretudo quando se confronta um adversário mais interessado em rupturas do que em construir um sistema judicial eficaz, organizado e motivado. O caminho dos buracos é o caminho das toupeiras e os juízes não querem, seguramente, ser toupeiras.
3- Na minha opinião e da lista que integro para disputar a próxima eleição aos órgãos da ASJP, encabeçada por António Martins, a alteração do modelo de trabalho é necessária e passa pela concretização de algumas importantes ideias estratégicas que, particularmente, me aliciam e pelas quais pessoalmente me empenho e que quero aqui referir.
Concretizar um modelo de contingentação processual, com efectiva quantificação das cargas de trabalho adequadas para cada juiz, em função da sua especificidade na carreira e nos diferentes tribunais é, quanto a mim, a principal ideia estratégica, a jóia da coroa, o eixo central do trabalho que induzirá outras propostas. Permitirá estabelecer indicadores operativos para efeitos de gestão, da qualidade e da defesa profissional responsável, ajustando o volume de serviço do tribunal ou juízo à capacidade exigível ao juiz, e permitirá aferir, em qualquer caso, do grau de adequação da estrutura e orgânica judiciária. Permitirá ensaiar, de forma criativa, soluções inovadoras de ajustamento flexível na distribuição, nas medidas de apoio ao juiz, no tratamento da informação de gestão, na cadeia de governo da jurisdição e, com grande importância, na criação de ambientes de trabalho amigos e motivadores, essenciais para os alinhamentos subjectivos necessários ao sucesso da missão dos tribunais.
Para este trabalho é proposto um Gabinete específico, uma unidade de missão, que contará com os melhores recursos, na medida em que é a prioridade.
Existe uma outra ideia estratégica, esta verdadeiramente estruturante de todo o trabalho e discurso da Associação no curto e médio prazo: o Livro Branco do Poder Judicial. A organização deste Livro visará, em primeiro lugar, condensar de forma séria, sistemática e integrada o diagnóstico de todos os congestionamentos organizativos, logísticos e de funcionamento do poder judicial e dos tribunais na perspectiva dos juízes.
Em segundo lugar, inventariar um conjunto de soluções articuladas para a sua resolução que constituam as bases das propostas a apresentar à sociedade, ao CSM/CSTAF, à Assembleia da República, ao Governo. Será o pilar da investigação para construir e consolidar a visão que faz falta.
A responsabilidade deste trabalho será, segundo é proposto, de uma estrutura autónoma, sob a designação de Gabinete de Estudos e Observatório dos Tribunais. Esta estrutura da Associação dos Juízes envolverá uma vasta equipa que assegurará a produção de investigação, estudos, pareceres e propostas, ao mesmo tempo que ligará a sua actividade à realidade dos tribunais, gerindo-a de modo a que a informação recolhida daqueles, constantemente, possa ter os devidos reflexos na selecção dos temas a desenvolver.
Todo o trabalho produzido será objecto de cuidada divulgação, no âmbito da estrutura de comunicação da ASJP e da nova política editorial proposta.
Acrescentar toda esta dimensão de trabalho à Associação requer bem mais esforço do que aquele que, actualmente, é desenvolvido. Mas é essencial para progredir nos caminhos da mudança, ao mesmo tempo que permite congregar um número muito elevado de juízes nas equipas a organizar, independentemente das suas afinidades de grupo, aumentando a participação, elevando o nível do debate, forjando um novo papel para a Associação, de alcance provavelmente muito maior do que as actuais expectativas podem antecipar.
É que, apesar de tudo, as coisas podem mudar…
Acredito, sinceramente, que os juízes querem a mudança. Essa vontade há-de permitir ganhá-la.

Luís Azevedo Mendes
Juiz de Direito
Candidato a Vice-Presidente
da Direcção Nacional
OPINIÃO ASSOCIATIVA
Madeira Pinto

Compelido a dizer umas palavras a propósito do texto que titulas "Opinião Sindical", quase poderia repetir o teu primeiro parágrafo na íntegra, exceptuando o Tribunal onde estou colocado e o tempo de serviço aí prestado.
Ou seja, sou do mesmo curso do CEJ. Conhecemo-nos, portanto. Não obstante o contacto não ter sido muito próximo, conheço-te o suficiente para te respeitar. O texto "opinativo-sindical" que postaste no site da Lista que integras ("B" penso eu) interpreto-o como um lapso, um momento infeliz, daqueles que todos temos e, receio, eu provavelmente mais que tu.
E explico-te porquê, concretizando.
Para além das generalidades (não pejorativo) em que todos estamos de acordo, avanças depois, no terço final do texto, para uma aplicação prática das lições do Lenine. Isto é, atacas o adversário na sua pessoa, ou em pessoa próxima em função das circunstâncias, mas não atacas as suas ideias.
Denegrir o adversário para o inferiorizar, para o abater, para o diabolizar.
Não é próprio de ti, daquilo que de ti conheço.
Por não ser característico da tua pessoa levo-o em conta de uma passageira infelicidade.
Mas não esqueças: essa passageira infelicidade tem um significado sócio-sindical; o lançar da primeira pedra.
Vamos então à "táctica" que, quer queiras quer não, resulta do teu texto.
Nos parágrafos 10 e 11 acusas, subliminarmente, a lista adversária (com uma letra diferente, "A" penso eu) e da qual faço parte, de "divisionismo" (outra táctica leninista): "vocês concorrem, logo estão a dividir os juízes". É esta a tua primeira "mensagem". Por sinal já a ouvi, meses atrás, a destacado elemento da tua "equipa".
Não resiste à mais elementar análise. Então a democracia não é pluralismo?
Ou são vocês que definem os momentos azados para o aparecimento do pluralismo, devendo a "minha equipa" presumir que este momento não é adequado porque há eleições?
Passo por cima do exagerado panegírico (já vês o que penso, ao adjectivar um panegírico como exagerado) da actual Direcção, o que deve ter sido difícil, face à desastrada actuação desta no último ano. É obra lançar um panegírico desse calibre a uma Direcção que andou a reboque dos acontecimentos, nada previu – e era fácil de prever – e que, consciente ou inconscientemente, andou a reboque das tácticas "sindicaleiras" de terceiros e se deixou confundir com mais uma célula marioneta de uma qualquer confederação sindical.
Atacas o Movimento Justiça e Democracia. Esclareço-te que faço parte da lista mas dele, movimento, não faço parte.
Que é como quem afirma: não confundas Lista com Movimento, mas eu sei que é irresistível – a tentativa de confusão - como manobra de comunicação.
Ou seja: eles que se defendam, porque são maiores e … juízes.
Que é como quem pergunta: os juízes que dele fazem parte sofrem de capitis diminutio? Foram segregados? O exercício democrático eleitoral está-lhes vedado? Escusas de responder! Sei que darás resposta negativa a qualquer das perguntas. Mero exercício retórico, portanto.
Mas, enfim, estas seriam "tácticas" aceitáveis no jogo eleitoral. As que se seguem são mais difíceis de aceitar.
Atacas pessoalmente dois colegas. De um não referes o nome, mas toda a minha gente percebeu: é o Raul Esteves. É acusado de ser sabático ou bolseiro.
Belo! Propõe a criminalização da conduta! Ou decreta o ostracismo sabático!
E por fim o Martins. Que sugeres, não obstante o não digas, que anda a reboque do sabático bolseiro. Manobra política "hard". Habitual em política politiqueira.
Mas não o atinges apenas a ele. Dás, por reflexo, todos os integrantes da lista como bonecos manejáveis. Por mim, passo à frente.
Mas do que conheces do António Martins, no entanto e porque referes expressamente o seu nome, tenho a certeza de que lhe deves um pedido de desculpas. E sei que lho apresentarás em devido tempo.
Foi, precisamente, por conhecer o António Martins que aceitei o seu convite para integrar a lista. Homem de princípios; de vontade assumida; imune a caprichos e influências, mas que sabe ouvir. Com uma visão, próxima da minha, de qual deve ser o papel da judicatura e do movimento associativo.
Percebes? Foi a pessoa, mais que qualquer texto ou discurso, o que me levou a integrar uma lista, depois de ter pensado abandonar a Sindical Associação, face à desastrada sindical actividade e ao taciturno pós-greve.
E nota! Já integrei listas da Associação com nomes que constam da que tu apoias. E apesar de conhecer vários dos colegas que integram a lista encabeçada pelo Desembargador Baptista Coelho, e de ter deles a melhor opinião pessoal, sei que a mentalidade sindical reinante se revela, no colectivo, incapaz de liderar, de forma adequada, os próximos difíceis anos da Judicatura.
Ao invés, vejo essa capacidade no António Martins. Vontade e abertura de espírito, raciocínio claro e imune a influências indesejáveis. E, tu sabes, isto não é panegírico.
Termino, porque estas linhas vão mais longas do que o desejado.
Não sem antes te dizer que não faço qualquer apelo para que votem na lista que integro.
Parto do princípio de que cada um dos juízes tem vontade, sabe o que quer e não é qualquer apelo meu (com ou sem formandos como herdeiros espirituais) que os fará mudar de opinião.
Pelo menos não deveria!
É que começa aqui, no respeito mútuo, a essencial mudança de mentalidade e consequente prática associativa.
Com os cumprimentos do colega que preferiria encontrar-te num jantar de curso.

João Henrique Gomes de Sousa
Círculo Judicial de Évora