Wednesday, March 15

PELO FIM DOS "HERÓIS DO TRABALHO"

O desabar dos regimes do "socialismo real" fez cair no esquecimento os "heróis do trabalho", que os membros das oligarquias soviéticas condecoravam e exibiam por causa dos recordes que estabeleciam nas suas diversas áreas de actividade. Embora não trazendo benefícios económicos, a dedicação ao trabalho era aí, ao menos, apreciada e reconhecida.
Década e meia depois da queda do Muro de Berlim, a gestão da Magistratura portuguesa continua a querer gerar heróis do trabalho judicial: quem abdicar de uma vida pessoal e se dedicar inteiramente às funções, pode, talvez, aspirar a ter o serviço em dia e, com alguma sorte, a ser agraciado nas inspecções.
A diferença é que em Portugal o poder político desconsidera o poder judicial, mesmo para efeitos de propaganda, e o usa indistintamente como bode expiatório da incapacidade política de afectar à administração da Justiça os meios necessários a garantir dela uma resposta adequada a uma procura cada vez maior e mais complexa, num labirinto legal cada vez mais intrincado.
E, basta sair do círculo de juízes e de quem trabalha diariamente nos tribunais para que o calvário que todos conhecemos se torne noutra coisa: o que o cidadão comum sabe quando lhe falam de justiça é bem diferente. Sabe das convocatórias sucessivas para julgamentos adiados, da absurda demora da única causa que é a sua, de quanto lhe custou a perda da demanda em que se viu envolvido ou mesmo o seu ganho, e sabe dos "privilégios dos juízes" - dos "três meses de férias" que o Governo, em parte por saber da Justiça só o que sabe o cidadão comum, em parte por descarada má fé, nos imputou – para alijar responsabilidades que são suas e por desforra e desagravo.
Perante estas duas pré-compreensões do actual estado da Justiça, não há pontes possíveis.
Como os esforços da actual Direcção da ASJP provaram, qualquer diálogo é um monólogo de surdos.
Posto isto, há duas alternativas:
- resignarem-se os juízes, como o têm feito tempo demais, suportando a hostilidade da opinião pública, fazendo os possíveis por dar aplicação a leis asininas ou impraticáveis - frequentemente ambas as coisas -, ajustando a agenda ao aumento exponencial de trabalho e tolerando a degradação das condições de funcionamento dos tribunais;
- ou enfrentar os detractores e demonstrar que quando eles dizem que sabem do que é que estão a falar… não fazem ideia nenhuma.
É neste cenário de radical desadequação entre o que se exige e o que se garante – já não entre o muito que se tinha de fazer e os poucos meios disponíveis para tal – que a actuação da Associação Sindical dos Juízes Portugueses se tornou decisiva.
Decisiva para cada um dos associados. Decisiva para cada um dos Juízes.
Decisiva para a salvaguarda do sistema de justiça como Poder autónomo do Poder Político.
E decisiva para a manutenção, de facto, dos Tribunais como órgãos de soberania.
Porque o actual estado da Justiça em Portugal é mau.
Porque a confiança dos cidadãos nas magistraturas talvez nunca tenha sido tão baixa.
E porque há responsáveis por isso – que não são seguramente os Juízes, excepto pela passividade e perda de horizontes a que foram conduzidos pelo afunilamento em volumes crescentes de trabalho, enquanto a Justiça que lhes cabia aplicar se degradava de dia para dia.
É chegada a hora de pedir contas e de denunciar a irresponsabilidade de planeamento que permite que haja juízes com 3, 5, 7, 9…mil processos.
É necessário exigir do Poder Político – e dos órgãos de gestão da Magistratura – que cumpram as suas obrigações.
Se com a desconsideração que nos vota o poder político podemos bem e dormimos melhor, não nos pode ser indiferente o que pensam e querem os cidadãos: a Justiça é demasiado importante para ser deixada nas mãos dos políticos. O que é preciso é criar condições para que seja da sua conveniência e interesse eleitoral haver uma administração da justiça eficiente e prestigiada.
E isso, Colegas, não se faz com o sacrifício inatingível dos "heróis do trabalho". Faz-se com a reabilitação de uma imagem que se foi progressivamente degradando. E faz-se com a contingentação processual. Essa não é uma promessa: é aqui e agora, uma inultrapassável e inegociável necessidade.
Necessidade ainda mais premente quando se discute a responsabilização dos juízes por decisões injustas - e se exclui a responsabilização dos decisores políticos que vertiginosamente conduzem o nosso País à cauda da Europa.
Por muito tentador que seja desistir, a verdade é que o nosso compromisso de Juízes não é para com o executivo. Como os outros, também este há-de passar - e todos sabem que o que uns fazem, os seguintes desfazem, ao sabor das conveniências e interesses eleitorais.
Se merecermos a confiança da maioria, seremos porta-vozes não só dos que optaram por resistir, ainda e sempre (como os irredutíveis gauleses), mas também dos que desistiram: dos muitos que, absorvidos pelo desumano ritmo da agenda a que se impuseram, trabalham ainda continuamente e renunciaram a tudo o mais; dos muitos outros para quem a injustiça e desproporção do discurso governativo fizeram quebrar os laços de respeito entre órgãos de soberania e perder o interesse por tudo quanto lhes diga respeito; dos restantes que só esperam a oportunidade para se reformar ou abandonar uma carreira que antes abraçavam com dedicação…
Com o Desembargador António Martins a ASJP terá projectos pelos quais apresentará contas aos associados, e pelos quais quererá ser julgada nas próximas eleições.
É por isso que estou nesta equipa: candidato-me à Direcção Regional Sul da ASJP por uma Justiça forte e prestigiada - e pelo fim dos heróis do trabalho.
É chegada a altura de os Juízes tirarem os dedos das brechas da barragem.

Rosa de Vasconcelos
Juiz de Direito
Candidata a Secretária Regional
do Sul pela Lista A