Wednesday, March 15

RUMOS DE MUDANÇA

Vivemos numa época particularmente conturbada na área da justiça, propícia ao desferir de sucessivos ataques à independência do poder judicial. O que significa, e porque são os Juízes os garantes dessa independência, que são eles os alvos preferenciais e apetecíveis desses repetidas e criteriosas afrontas que vão recrudescendo.
Para propiciar tais atitudes, procura instilar-se de uma forma insidiosa junto da opinião pública que são os Juízes os responsáveis da denominada "crise da justiça".
Assim, são os Juízes que suposta e alegadamente trabalham pouco, adiam, atrasam os processos e proferem decisões excessivamente fundamentadas/sem fundamento, eruditas/primárias, curtas/longas, brandas/severas e por aí adiante, sempre numa visão negativa da sua actuação.
Assim, minados os alicerces, procura-se ainda desacreditar a Magistratura Judicial, acusando-a do gozo de privilégios injustificáveis, tais como férias, subsídios e assistência médico-social.
É evidente que todos nós Juízes, bem como todos os demais cidadãos esclarecidos, sabemos do infundado e da ignomínia que constituem tais propaladas opiniões.
Sucede que num país onde a taxa de (i)literacia é a que se sabe e em que o mérito é repudiado e fonte de inveja, a verdade é essas mesmas opiniões se sedimentam, também pela repetição, como sendo verdades incontornáveis e absolutas.
Neste contexto, com a progressiva degradação da imagem dos Juízes, mais fácil se torna de alcançar o escopo de deslegitimação e subversão do poder judicial para o que têm sido dados passos seguros.
A falta de condições de trabalho, de assessorias, de leis tecnicamente bem concebidas e duradouras, da participação efectiva de Juízes na elaboração desses diplomas que lhes dizem respeito, da não implementação dum modelo de contingentação, do trabalho à noite ao fim-de-semana, nas férias (que não judiciais), tudo é ignorado, contemporizado, relativizado, se não mesmo negado.
Neste clima de, chamemos-lhe assim, realidade virtual ou invertida, fácil foi, hipocritamente, adejar a bandeira das férias judiciais como o primeiro de muitos combates a travar para a realização do putativo interesse público e contra os ditos interesses corporativos instalados.
Nesse decorrer, fruto da ignorância e má-fé do poder político, aprovou-se mais uma lei absurda, confusa e contraditória, como outras absolutamente injustificadas mesmo de uma canhestra perspectiva económica como a extinção para os Magistrados dos serviços médicos sociais do ministério da justiça, sem que jamais houvesse o propósito de dotar os Juízes das condições para o cabal desempenho das suas funções como órgão de soberania que constituem.
Estão pois lançadas as bases para a contínua degradação do nosso estatuto sócio-profissional, tendo sempre em vista um poder judicial tíbio, moldável pelo poder político, avizinhando-se assim, com esse desiderato, a breve trecho a tentativa de instalar a "carreira plana", com as instâncias superiores a serem preenchidas com juristas de "reconhecido mérito" - com algumas amostras decorativas de verdadeiros Juízes -, isto é por regra com a falta de mérito e qualidades para ser Juiz, hipotecando-se a qualidade e independência do poder judicial nas instâncias superiores.
Curiosamente, e previamente, surge veiculada abertamente uma proposta em que se pretende que se venham a julgar os deputados e ministros pelo Tribunal da Relação, ou melhor por aquele projectado Tribunal da Relação, que certamente faria a justiça que se pretenderia que fosse realizada pelos mentores de tal projecto.
O desafio lançado ao poder judicial que quer manter o seu estatuto de independente não enquanto interesse próprio, mas como garantia da realização do estado de direito democrático, é deste modo enorme, sendo as próximas eleições para a ASJP de fundamental importância, pois os eleitos terão uma tarefa de notória responsabilidade.
Tal passará, antes de mais, por abolir a inércia actualmente existente e que após a recente greve se revelou de todo em todo insuportável, tornando frustre a confiança que os Juízes depositaram naquela medida extrema, ou a que aderiram apenas para dar um sinal de vitalidade e união da classe, atenta também a forma esforçada mas pouco conseguida como foi conduzido todo o processo.
É assim necessária uma ASJP renovada, forte, empenhada e que saiba e consiga transmitir as suas opiniões nos órgãos de comunicação social, através de um adequado gabinete de comunicação e imagem, com profissionais capazes e preparados para o efeito. Como necessário é projectar uma nova imagem – real - da classe alijada do estigma do "sacerdócio", qual seja a de um poder não alheado socialmente, mas com deveres na mira de uma sociedade pacificada e mais justa e com correlativos direitos que o Estado deve assegurar. Terá de ser assim revelada uma Magistratura interventiva, ao arrepio do passado, com uma postura de abertura para com a sociedade.
A conjuntura, repete-se, não é fácil, acredito, contudo, que é possível reabilitar e tornar adequado o nosso estatuto sócio-profissional às funções por nós desempenhadas e reagir por forma a permitir a que o poder judicial possa continuar a ser independente em Portugal e a acolher cidadãos de verdadeiro mérito e competência para serem Juízes.
Por tudo, porque acredito nas ideias, mas sobretudo nas pessoas, aceitei o convite que me foi formulado para integrar a lista liderada pelo Dr. António Martins, por forma a que o associativismo judiciário possa ganhar um rumo bem definido, dentro de um plano de actuação gizado cuidadosamente, estratégia essa que impõe uma atitude ética de responsabilidade e de entrega que espero e desejo empreender no âmbito da ASJP.
Como sempre, com conhecimento e em consciência, vós, Juízes, decidireis.
Luís Miguel Vaz da Fonseca Martins
Juiz de Direito
Candidato a Secretário Regional
do Norte pela Lista A