A NÃO CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO
E OS MAGISTRADOS DO XXI CURSO NORMAL DE FORMAÇÃO DO CEJ
Como é por todos sabido, a Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto estabeleceu a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras e o congelamento do montante de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado entre a data da sua entrada em vigor (30/08/2005) e o dia 31 de Dezembro de 2006.
Por força do art.º 3.º da referida Lei, as suas disposições são aplicáveis aos magistrados judiciais e do Ministério Público.
Para além dos motivos que são comuns a todos os magistrados para a contestação da aplicação do diploma em causa às carreiras das magistraturas judicial e do Ministério Público, os juízes e procuradores‑adjuntos oriundos do XXI Curso Normal de Formação do Centro de Estudos Judiciários e que tomaram posse no passado mês de Setembro de 2005 têm razões acrescidas para se sentirem indignados pela aplicação da não contagem do tempo de serviço ao seu caso específico. O que se pretende com este artigo é apenas contribuir para que todos os colegas tomem conhecimento de tais razões que, em nosso entender, contendem em última análise com a própria dignidade das funções nas quais fomos recentemente investidos.
O XXI Curso teve o seu início no dia 15 de Setembro de 2002 e foi dos poucos cursos desde a entrada em vigor do actual modelo de formação de magistrados a não ter sido encurtado. Assim, cumprimos os seis meses iniciais de formação no CEJ, após o que estivemos colocados por um ano como auditores de justiça nas comarcas (seis meses na magistratura judicial e seis meses na magistratura do Ministério Público), tendo regressado posteriormente ao CEJ por três meses. Após este período, foi feita a graduação final de todos os auditores e a escolha por cada um da magistratura na qual pretendia ingressar, tendo todos tomado posse em 15 de Setembro de 2004 como juízes e procuradores‑adjuntos estagiários. Estivemos colocados até 15 de Julho de 2005 nas respectivas comarcas de estágio e fomos colocados no movimento judicial ordinário de Julho de 2005 em comarcas de primeiro acesso (a maioria) ou como auxiliares em comarcas de acesso final, aguardando colocação em primeiro acesso. Uma vez que a Lei Orgânica do Centro de Estudos Judiciários (LOCEJ – aprovada pela Lei n.º 16/98, de 8 de Abril)) prevê que o tempo de formação no CEJ termina a 15 de Julho do ano de estágio (art.º 69.º, n.º 1) e o movimento ordinário apenas produziria efeitos a partir de 15 de Setembro, fomos nomeados juízes auxiliares de 15 de Julho até à publicação do movimento ordinário, nas comarcas onde tínhamos efectuado o estágio.
Enquanto auditores, auferíamos uma bolsa de estudos equivalente a 50% do índice 100 da escala indiciária das magistraturas, nos termos do art.º 54.º, n.º 1 da LOCEJ. A partir do momento em que tomámos posse como estagiários, passamos a auferir a título de vencimento o correspondente ao índice 100, pois é este o índice de ingresso.
De acordo com a tabela de remuneração dos magistrados, após três anos de serviço, os magistrados passam a ser remunerados pelo índice 135. Este limite temporal de três anos não foi estabelecido pelo legislador por acaso: conjugando a tabela de remuneração com a LOCEJ, os três anos coincidem com a passagem de estagiário a efectivo e o início de funções qualitativamente (e também quantitativamente, diga‑se) distintas.
Nos termos do art.º 70.º, n.º 1 da LOCEJ, durante o regime de estágio os magistrados exercem com a assistência de formadores, mas sob responsabilidade própria, as funções inerentes à magistratura, com os respectivos direitos, deveres e incompatibilidades, devendo (nos termos dos n.os 2 e 3 da mesma norma) o Conselho Superior da Magistratura recolher elementos sobre a idoneidade, mérito e desempenho dos magistrados em regime de estágio, podendo determinar uma inspecção extraordinária caso os elementos recolhidos ponham em dúvida a adequação do estagiário ao exercício de funções.
A partir do momento em que tomámos posse como juízes de direito (e procuradores‑adjuntos, no caso dos colegas que optaram pelo Ministério Público), deixámos de estar assistidos por formadores, passando a exercer autonomamente as funções próprias de magistrados, nas respectivas comarcas, sendo titulares dos juízos ou tribunais nos quais fomos colocados e dos respectivos processos. Tratou‑se não de uma mera progressão automática, apenas dependente do decurso do tempo, mas sim de uma verdadeira promoção, na medida em que para tomarmos posse como efectivos tivemos de ser necessariamente objecto de uma avaliação de mérito que nos permitiu o ingresso definitivo na carreira de magistrados.
Ora, não obstante tal promoção, os nossos vencimentos continuaram (e continuam) a ser processados pelo índice 100 da tabela remuneratória (como se continuássemos em regime de estágio) pois a Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto tem sido interpretada no sentido de abranger a nossa passagem de estagiários a efectivos. Nenhuma alteração houve no vencimento, apesar de termos tomado posse como magistrados em efectividade de funções.
Indignados com a situação, dirigimos requerimentos aos Ex.mos Presidentes dos Tribunais da Relação solicitando o processamento do vencimento pelo índice 135, argumentando, em síntese, que:
· a aplicação dos sucessivos índices da escala anexa ao Estatuto dos Magistrados Judiciais não traduz, por si só, qualquer "progressão na carreira" (sendo apenas para esse efeito que, de acordo com o artigo 1.º da Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto, não é contado o tempo de serviço), mas apenas uma evolução remuneratória;
· a "progressão na carreira" dos magistrados judiciais não depende apenas do decurso do tempo, mas também da avaliação periódica efectuada pelas inspecções do Conselho Superior da Magistratura;
· finalmente, e mais importante, no caso nos magistrados que perfizeram três anos de serviço, tal termo coincide com o final do regime de estágio e o início de funções qualitativamente diversas, em tribunais de primeira colocação.
As respostas que obtivemos foram díspares: algumas relações indeferiram os requerimentos, outras reencaminharam-nos para a Direcção‑Geral da Administração da Justiça e outras ainda para o Conselho Superior da Magistratura (CSM).
Dirigimos os mesmos requerimentos à DGAJ, tendo recebido uma notificação em Novembro de 2005 dando‑nos conta de que foram remetidos à Direcção de Serviços Jurídicos para análise e parecer. Até ao momento ainda não fomos notificados de qualquer deliberação.
Entretanto, o CSM, na sequência dos requerimentos que lhe foram remetidos por alguns dos Tribunais da Relação, aprovou uma deliberação na sessão Plenária Ordinária de 06/12/2005 dando total razão à posição por nós defendida e comunicando o teor de tal deliberação (e do parecer no qual se apoia) à DGAJ e aos Ex.mos Presidentes das cinco relações.
Aguardamos agora que a DGAJ tome uma posição (expressa ou tacitamente) de modo a podermos (caso a mesma nos seja desfavorável) recorrer aos tribunais.
Além de todos os motivos que levam os magistrados a insurgir‑se contra a não contagem do tempo de serviço nas suas carreiras, no nosso caso sentimos a não contagem como uma profunda desconsideração pelas funções de magistrado e pela dignidade que é devida ao exercício da judicatura. Estamos colocados em efectividade de funções nas comarcas, sob a nossa responsabilidade e no exercício de competências próprias enquanto titulares de tribunais e juízos, e continuamos a ser tratados como estagiários, como se nos mantivéssemos junto dos nossos formadores, sob a sua alçada.
Além de todos os motivos que levam os magistrados a insurgir‑se contra a não contagem do tempo de serviço nas suas carreiras, no nosso caso sentimos a não contagem como uma profunda desconsideração pelas funções de magistrado e pela dignidade que é devida ao exercício da judicatura. Estamos colocados em efectividade de funções nas comarcas, sob a nossa responsabilidade e no exercício de competências próprias enquanto titulares de tribunais e juízos, e continuamos a ser tratados como estagiários, como se nos mantivéssemos junto dos nossos formadores, sob a sua alçada.
Ter juízes e procuradores em efectividade de funções a receber como simples estagiários é desonroso não só para os directamente afectados, mas também (e especialmente) para toda a magistratura, na medida em que confirma a quase total desconsideração que o poder executivo tem demonstrado para com o poder judicial. É bom que todos estejamos cientes de casos como este. Espero que este artigo tenha contribuído para que todos fiquem um pouco mais esclarecidos quanto a esta situação.
Filipe César Vilarinho Marques
Juiz de Direito no Tribunal Judicial da Comarca de Melgaço
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