Thursday, February 2

CONTRIBUTO PARA UMA REFLEXÃO SOBRE O SISTEMA INFORMÁTICO DOS TRIBUNAIS

Ilustres Colegas,
Distintos Convidados


Fui recentemente informado de que a equipa de desenvolvimento do sistema H@bilus (sistema informático dos Tribunais Judiciais) terá recebido instruções da sua hierarquia, no sentido de suspender os trabalhos de desenvolvimento daquele sistema informático.
Muito embora tal notícia me tenha inquietado, face à incerteza do que seguirá no plano da informatização dos Tribunais Comuns, cedo me apercebi de que independentemente da sua fidedignidade, a mesma vem por a nú uma realidade não menos inquietante: Perante a perspectiva da implementação de um novo sistema informático, que contributo poderão os juízes dar no seu desenvolvimento?
É que o tema da informatização dos Tribunais pouco ou nada tem interessado aos juízes, e nenhum debate interno tem suscitado ...
Não obstante tal opinião possa constituir para muitos uma excentricidade, estou convicto que, neste início do século XXI o tema da informatização dos Tribunais deve ocupar um papel fundamental no panorama da administração da Justiça, e que por tal razão deverá igualmente assumir lugar de destaque em qualquer reforma do sistema judiciário.
Neste contexto, seja tendo em vista o desenvolvimento do actual programa informático dos Tribunais comuns (o referido H@bilus) seja perspectivando o desenho e concepção de um novo, importa definir antes de mais, o que se pretende de um sistema informático para os tribunais comuns.
Pela minha parte, considero que o sistema informático dos tribunais comuns deve permitir alcançar três grandes objectivos:
Em primeiro lugar, qualquer sistema informático deve constituir um instrumento de produtividade dos profissionais do foro, permitindo automatizar tarefas, poupar tempo, enfim trabalhar melhor.
Tal significa, em meu entender, que o sistema informático deve permitir a prática de todos os actos processuais, por todos os intervenientes do processo: Juiz, MP, Mandatários das partes, Solicitadores de Execução, e Oficiais de Justiça, bem como as próprias partes.
Mas também deve proporcionar ferramentas auxiliares: bases de dados documentais (v.g. jurisprudência de primeira instância), aplicações de apoio, consulta de agendas e pautas de distribuição, etc …
Porém, esta vantagem deverá, a breve trecho, constituir um poder-dever: na verdade, a eficácia do sistema implica que todos os profissionais do foro se sintam motivados e vinculados a utilizá-lo, deixando de encarar a utilização de meios informáticos como mera faculdade, ou ferramenta a que se recorre por simples conveniência pessoal, para ser encarada como dever funcional, ditado antes de mais, por razões de eficiência de todo o sistema da administração judiciária e, por conseguinte, também por imperativos de serviço público.
O segundo objectivo que qualquer sistema informático dos Tribunais deve desempenhar é o de constituir um eficaz instrumento de gestão das magistraturas.
Com efeito, a partir do momento em que todos os actos processuais sejam praticados no sistema informático, este constituirá a melhor fonte de informação acerca dos tribunais, e dos processos que neles correm, permitindo, com um nível de detalhe maior ou menor (v.g. com âmbito nacional, ou ao nível do distrito judicial, do círculo, ou da comarca), consoante os objectivos de cada pesquisa, colher dados estatísticos sobre este ou aquele Tribunal, ou sobre esta ou aquela jurisdição, ou mesmo sobre este ou aquele processo.
Tal significa que atentas as possibilidades do sistema informático dos Tribunais, ao nível da pesquisa de informações não faz sentido que o Conselho Superior da Magistratura desenvolva as suas próprias soluções informáticas, antes se justifica que as construa de forma agregada àquele sistema. Este objectivo pode ser alcançado através do desenho de um módulo do sistema informático, específico para o CSM, mas que partilhe os recursos e suas bases de dados da aplicação principal.
Veja-se como a preparação das inspecções seria simples se os senhores inspectores judiciais pudessem colher todos os dados de que necessitam directamente no sistema informático e, finda as inspecções, pudessem alocar no mesmo sistema os respectivos relatórios …
Por último, mas não menos importante, o sistema informático deve constituir um instrumento de cidadania na sociedade de informação, potenciando a aproximação entre a administração da justiça e o cidadão que a ela acorre.
Neste particular assume grande relevância que o sistema informático permita às partes a consulta do processo, através da internet, de forma a que as mesmas possam acompanhar o seu estado, e a evolução da sua tramitação.
Esta vertente permitiria colocar a justiça, enquanto serviço público, a par do paradigma de uma administração pública moderna, visto que este implica o estabelecimento de interfaces remotos de comunicação entre os cidadãos e a administração pública, possibilitando a prática telemática de todos os actos que pela sua própria natureza não impliquem a presença física do administrado nas instalações da administração.
E veja-se como esta funcionalidade do sistema informático poderia transmitir uma imagem de total transparência e verdadeiro serviço público, contribuindo para dissipar a imagem de opacidade com a administração da justiça se apresenta à generalidade dos cidadãos.
O caminho a traçar para atingir os três objectivos acima esboçados não é, obviamente fácil. Com efeito, para além dos evidentes imperativos de segurança, e da necessidade de prevenir acessos não autorizados, em termos, ocorrem-me desde logo três perigos:
O primeiro perigo é o de a informatização dos Tribunais constituir uma bandeira apetecível para o poder político, por permitir dar um ar de modernidade que sempre fica bem aos olhos da opinião pública. E por isso é grande o risco de o desenvolvimento de o desenvolvimento do sistema informático dos tribunais assentar em diagnósticos falaciosos, como seja o da imputação da morosidade da justiça ao facto de o suporte físico dos processos ser hoje o papel.
O segundo grande perigo é o de a informatização dos Tribunais poder possibilitar ao Executivo o domínio de informação que legalmente não lhe deve ser acessível, ou pelo menos não de forma directa.
O terceiro e último grande perigo é o de uma informatização dos Tribunais que não seja transparente e participada por todos poder pôr em crise a confiança que os profissionais do foro e os próprios cidadãos nele devem ter.
Trata-se, indubitavelmente de um caminho a trilhar num clima de diálogo verdadeiramente interprofissional, que envolva não só todas as profissões do foro, mas também associações representativas dos cidadãos utentes da justiça.
Proponho, por isso, três ideias-força no desenvolvimento deste grande projecto:
A primeira é a de que no actual estádio civilizacional, se deve manter o arquétipo do processo de papel, servindo o sistema informático como interface e instrumento de documentação e arquivo do mesmo.
Com efeito, numa sociedade em que a maioria dos documentos ainda tem o papel por suporte físico, parece-me que a ideia de processo digital (caminho trilhado com discutível sucesso nos tribunais administrativos e fiscais) constitui ainda um exercício futurista de muito duvidosa utilidade prática.
A segunda ideia-força reside no imperativo de atribuir ao CSM (e ao CSMP/PGR nos domínios da estrita competência do MP) o controle da informação relevante.
Na verdade, se nos tribunais a justiça é administrada pelos juízes e o órgão de gestão do corpo de juízes é o CSM, afigura-se inegável de que deverá ser este a deter o controle da informação referente aos processos que fatalmente constará do sistema informático.
A última ideia-força é a de que se deverá privilegiar a filosofia de que o sistema informático dos tribunais comuns deve permitir, a qualquer utilizador, a prática remota de qualquer acto processual que pela sua própria natureza não implique a sua presença física no tribunal.
Muito mais poderia dizer, sobretudo quanto à concretização dos princípios e ideias acima esboçados.
Mas considero fundamental que no desenvolvimento do sistema informático dos Tribunais o primeiro passo consista em traçar princípios gerais antes de se partir para a sua concretização, sob pena de cairmos na tentação bem portuguesa de irmos improvisando sem qualquer planeamento, construindo a casa pelo telhado, e deixando para o fim os alicerces.
Não pretendo com estas palavras traçar o esboço de um qualquer sistema informático. Mas é seguramente minha ambição fomentar uma discussão que tenho por urgente.
Estou certo que outros colegas terão sobre esta matéria ideias diferentes, porventura até opostas.
Espero, contudo, que neste congresso, que constitui um lugar privilegiado para o estabelecimento da verdadeira discussão, aquela que conduz à luz, não deixemos de debater este tema, sob pena de amanhã sermos confrontados com soluções acabadas, inteiramente concebidas pelo poder executivo, sem qualquer contributo da nossa parte, e totalmente desadequadas ao exercício das nossas funções.
Muito obrigado.

Diogo Ravara
Tribunal do Trabalho de Lisboa

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