Thursday, February 2

A FÁBULA DA EQUIPA JUDICIAL
ARTIGO DE OPINIÃO DE
AFONSO CABRAL DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO

Uma vez que vivemos em plena Futebolândia, e que acredito na regra segundo a qual “se não podes vencê-los junta-te a eles”, proponho-me fazer uma análise esférico-jurídica do que se está a passar na Justiça, contando uma pequena fábula.
A Equipa Judicial foi construída a pensar na qualidade e tendo a excelência como objectivo, e por isso procurou-se seleccionar os melhores elementos para disputar um campeonato extremamente duro e exigente, mas prestigiado.
Assim se fez, e os jogos começaram.
Ao fim das primeiras jornadas tornou-se evidente que algo não estava bem. Os jogadores eram realmente muito bons e davam o seu melhor, mas mesmo assim a equipa era sistematicamente derrotada, e o que é pior, goleada.
Muito se discutiu sobre as causas, e nos balneários ocorriam acaloradas discussões entre jogadores e treinador para tentar entender o porquê dos desaires. Mas para os espectadores a resposta era óbvia: a equipa só tinha 6 jogadores, que embora muito bons tecnicamente, não podiam fazer milagres e neutralizar todas as jogadas dos adversários. E assim, jogo após jogo, jornada após jornada, fazendo alinhar sempre e só 6 jogadores, contra os 11 das equipas adversárias, as derrotas começaram a fazer parte da normalidade para esta equipa. Já não se estranhavam, e já nem sequer incomodavam nem afectavam o brio e o prestígio dos jogadores e do treinador. É que estes desenvolveram entre si uma filosofia pela qual regiam toda a sua actuação, e que consistia em ignorar olimpicamente os resultados dos jogos, e concentrar toda a atenção na postura e na atitude da equipa. Em vez do golo, procurava-se a exibição. Em vez da eficácia, valorizava-se o esforço.
Cada vez que a equipa regressava ao balneário vergada com mais uma pesada derrota, em vez do desalento e da tristeza, verificava-se um fenómeno de congratulação interna pelo esforço, zelo e dedicação demonstrados em campo. Eram valorizados os jogadores mais esforçados e penalizados os que não davam o seu máximo. O lema do Treinador era sempre “mais esforço, mais empenho, mais sacrifício”.
Assim se foi passando o tempo.
E em circuito fechado, a equipa encontrou a solução para conviver com as sucessivas derrotas humilhantes que sofria, através do elogio e da exaltação do empenho e do esforço postos em jogo. E realmente assim era. Os jogadores interiorizaram que a reputação da equipa poderia ser defendida através do empenho e do esforço individual de cada um, desvalorizando os sucessivos enxovalhos no marcador.
Porém, esta situação algo esquizofrénica não podia durar.
E os primeiros sinais de mudança vieram quando as sucessivas derrotas trouxeram consigo a progressiva destruição da reputação da equipa. De respeitados, os jogadores passaram a ser olhados de lado, tratados com escárnio e menosprezo. Não só pelos adversários, mas também pelos próprios sócios e adeptos.
Começaram então a perceber que todo o seu esforço não lhes serviu para nada. Nem a eles nem à equipa. Antes pelo contrário.
Alguns jogadores mais cansados com a situação chegaram a propor, para defesa do prestígio do clube, que a equipa se recusasse a jogar enquanto as regras do jogo não fossem alteradas: propunham por exemplo a redução do tempo de jogo para metade, a diminuição do tamanho do campo, ou do tamanho da sua baliza.
Os dirigentes da SAD recusaram sempre todas as propostas. Diziam que o orçamento da equipa era aquele que era possível, não queriam alterar as regras mas também não explicavam porquê. O Treinador, apesar de se mostrar preocupado com a reputação da equipa e com as sucessivas goleadas sofridas, continuava de forma autista a querer fazer o melhor com os meios de que dispunha, não vendo o óbvio. Continuava a pregar “mais esforço, mais empenho, mais sacrifício”.
Os jogadores, cada vez mais incomodados com a situação, continuavam a fazer o seu melhor em campo mas os resultados lá estavam, sempre pesados, sempre humilhantes. A nenhum deles ocorreu mudar de equipa, pois o seu coração sempre esteve e sempre estaria naquela.
E nesta situação de incómodo constante se passaram mais uns tempos.
O próximo sinal de mudança veio da Direcção da SAD. Os jogadores nem queriam acreditar quando da direcção da SAD começaram a sair de forma mais ou menos indirecta e velada críticas à sua actuação. Os comunicados saídos daquele órgão para a imprensa, declinando qualquer responsabilidade própria pela situação alcançada, passaram a fazer recair sobre os jogadores a culpa da má classificação da equipa. E consequentemente, foi decidido reduzir as férias dos jogadores, pois se trabalhassem mais os resultados melhorariam. E como se isso não bastasse, chegou a falar-se em reduzir os ordenados dos jogadores. Os adeptos aplaudiam entusiasticamente esta nova atitude dura e justa da Direcção, e era frequente, nos cafés e tabernas, ouvir frases como: “não fazem nada e ainda querem ganhar muito! Até ganham de mais para os resultados que conseguem...”, “nem deviam ter férias”! Perante esta nova situação a atitude dos jogadores começou finalmente a mudar.
Cansados, desprestigiados, desmotivados, sentindo que apesar de terem dado o seu melhor ainda estavam a ser alvo de medidas retaliatórias, a sua disponibilidade para continuar a jogar com aquelas regras começou a ser cada vez menor, e o esforço posto em campo foi naturalmente diminuindo.
Os resultados pioraram sensivelmente.
O Treinador, esse, continuou a berrar para dentro do campo o seu slogan “mais esforço, mais empenho, mais sacrifício”.
Nesta espiral de ausência de bons resultados, cansaço, desmotivação, adversários difíceis, retaliação sobre os jogadores, desprestígio público da equipa, manutenção das mesmas regras do jogo, a equipa foi-se afundando cada vez mais.
E mais.
E mais.
Até que, um certo dia, todos os olhos se voltaram para o Treinador.

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