Monday, February 19

A GRANDE EXPECTATIVA …

Sai este número do “Justiça e Democracia” num momento em que os Juízes se preparam para votar e assim escolherem, entre duas listas, os seus futuros representantes no Conselho Superior da Magistratura.
Como é público, o Movimento Justiça e Democracia, desde logo apoiou, com entusiasmo, a candidatura do Senhor Conselheiro Vasques Dinis.
Tempos depois do anúncio desta candidatura, surgiu a do Senhor Conselheiro Ferreira Girão.
Temos assim, pela quarta vez consecutiva, duas listas candidatas, o que se regista com agrado, pois mais não significa que os Juízes deixaram de viver conformados com listas únicas e estão despertos para a discussão de ideias e projectos que irremediavelmente afectarão a sua vivência profissional e mesmo familiar.
Ambas as listas já divulgaram os seus programas e os seus candidatos, sendo fácil fazer a opção e exercer o direito de voto de forma livre e esclarecida.
É fundamental que todos os Juízes votem no dia 1 de Março, seja nesse mesmo dia, presencialmente, seja nos dias anteriores por correspondência, revelando a sua maturidade e consciência quanto ao que está em causa.
Seria fácil, mas deselegante face à candidatura do Senhor Conselheiro Ferreira Girão, enumerar as razões pelas quais se entende constituir o voto na candidatura do Senhor Conselheiro Vasques Dinis um sinal inequívoco de mudança na postura dos Juízes portugueses.
Optou o Senhor Conselheiro Vasques Dinis, no seu programa, por dar ênfase à necessidade de “abrir” o Conselho Superior da Magistratura de molde a tornar transparentes e inequívocas as suas práticas, revelando assim, o que no seu entender, e no entender dos seus candidatos, constituiria uma mudança significativa de procedimentos e contribuiria decisivamente para o reforço do prestigio e dignidade dos Juízes.
O que se espera do Conselho Superior da Magistratura, é uma actuação, em todas as circunstâncias, de elevado respeito pelos Juízes, permitindo o exercício dos seus direitos e a defesa intransigente do seu estatuto de titular de órgão de soberania, preservando a sua independência, mesmo perante esse mesmo órgão.
As instruções ou recomendações genéricas quanto à forma como os Juízes devem orientar os seus processos, ou à prioridade que lhes devem dar, constituem uma prática, que não se coaduna de forma alguma com o que se espera do Conselho Superior da Magistratura.
A limitação anual do número de acções de formação que os Juízes podem acompanhar também não parece ser uma prática reveladora de qualquer respeito pelos Juízes, tendo o alcance imediato de permitir que se faça um juízo bastante negativo sobre a ideia que o Conselho Superior da Magistratura tem dos seus Juízes, vendo-os como um bando de crianças sempre ávidos de frequentar uma nova acção de formação.
O que se espera então dos novos vogais do Conselho Superior da Magistratura?
Que substituam a Associação Sindical dos Juízes Portugueses e se revelem uns excelentes sindicalistas?
Parece que não. Pelo nosso lado apenas pedimos que sejam aquilo que são: Juízes!
E já que falei na A.S.J.P., penso ser devido um reconhecimento público pela forma brilhante e discreta como obtiveram o desbloqueamento dos salários dos nossos mais jovens colegas, permitindo assim que recebam o vencimento a que tinham direito, e que insustentavelmente este Governo tinha decidido negar.
Mas voltando ao Conselho Superior da Magistratura, os nossos futuros vogais, sejam de uma ou de outra lista, todos eles, sem excepção, são pessoas que já deram mostras da sua validade e revelaram, mesmo em ocasiões anteriores, o que pensam sobre a problemática do judiciário.
Distingo, contudo, projectos divergentes, concepções díspares de alcançar os objectivos que acabam por ser consensuais no seio da classe.
Trata-se, uma vez mais, de decidir sobre comportamentos, formas de estar e de alcançar o patamar de uma verdadeira independência para o Poder Judicial.
Estou seguro que os Juízes ao votarem irão ponderar, e também estou seguro que aqueles que vencerem irão fazer o melhor, cada um com o seu estilo de actuação, é certo, mas com os mesmos objectivos quanto à defesa dessa mesma independência.
Estou tranquilo.
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Raul Esteves

A INDEPENDÊNCIA E A PROMOÇÃO NA CARREIRA

A independência dos juízes como valor assenta na imposição de que os juízes, no exercício das suas funções jurisdicionais de titulares dos órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, se submetam apenas à lei e ao direito.
A independência como valor reclama a existência de instrumentos que o assegurem a independência como garantia. Nos instrumentos que visam garantir a independência incluem-se, nomeadamente, as regras sobre inamovibilidade, responsabilidade, exclusividade de funções, incompatibilidades e, também, o estatuto próprio, destinado a aprofundar, a concretizar e a dotar de eficácia essas regras.
A independência, seja interna (entre juízes), seja externa (no confronto com os outros poderes do Estado), constitui a garantia essencial do estatuto dos juízes e é reclamada pelo direito fundamental dos cidadãos a tribunais independentes e imparciais.
É no plano da tutela da independência que se situa o Conselho Superior da Magistratura.
Criado pela Constituição de 1976, surge como garantia do Estado de Direito democrático.
Concentrando os poderes de nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da acção disciplinar (artigo 217.º, n.º 1, da CRP), tem a natureza de órgão constitucional a que é atribuído um poder político-administrativo instrumental e vinculado à defesa da independência dos juízes.
Num sistema como é o nosso em que a magistratura judicial está organizada em carreira profissionalizada, subordinando-se o acesso aos tribunais de segunda instância e ao Supremo Tribunal de Justiça a concurso curricular, com prevalência do critério do mérito (artigo 215.º, nos 3 e 4, da CRP), a independência não pode ser apenas uma atitude pessoal; tem de apoiar-se nas condições de igualdade, de transparência, de tutela do mérito que são asseguradas às expectativas de promoção na carreira.
O acordo político-parlamentar para a reforma da Justiça, celebrado entre o PS e o PSD, anuncia, em traços gerais, «novidades» quanto à promoção na carreira.
Os concursos curriculares de acesso aos tribunais da Relação e ao Supremo Tribunal de Justiça incluirão uma apreciação pública do currículo dos candidatos perante um júri; composto pelo Presidente do Tribunal da Relação, um Juiz Desembargador e um Professor de Direito, no caso dos concursos de acesso aos tribunais de segunda instância, e pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, um Juiz Conselheiro e um Professor Catedrático de Direito, no caso dos concursos de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.
Quais são as razões que fundamentam esta intervenção cirúrgica numa matéria da maior importância para a carreira profissional dos juízes e quais são os reais fins com ela visados? Será que «não vale agitar fantasmas»?
Se o «pacto» não se atreve a alterações constitucionais, e continuando a caber, portanto, ao CSM os poderes de promoção dos juízes, não se alcança o sentido, a oportunidade e a utilidade dessa fase «obrigatória» de apreciação pública do currículo dos candidatos por júris constituídos à margem do CSM.
A não ser que, por via dessa apreciação pública do currículo, se queira vincular o CSM à «homologação» dos resultados a que conduzir, subtraindo-lhe, assim, a apreciação do mérito para a promoção. Essa hipótese, que é confortada pela quota «obrigatória» de um quinto dos lugares no Supremo Tribunal de Justiça reservada a juristas de mérito, não pertencentes às magistraturas, conformaria uma inadmissível intromissão na competência do CSM, na vertente da promoção dos juízes aos tribunais de segunda instância e ao Supremo Tribunal de Justiça, com o risco real de «controlo» da composição desses tribunais por lógicas alheias ao mérito.
Por isso, a candidatura, que tenho a honra de integrar, quer assegurar que os concursos de acesso aos tribunais de segunda instância e ao Supremo Tribunal de Justiça se mantenham no estrito âmbito do CSM, sem qualquer tipo de interferências externas que, directa ou indirectamente, o queiram ou possam condicionar.
A defesa da competência exclusiva do CSM, nesta matéria, implica, porém, a exigência de acrescidos rigor e transparência nos concursos de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, nos quais as margens de discricionariedade não estão, no quadro legal actual, eliminadas.
Para além dos factores a que a lei manda atender, devem ser concretizados todos os outros que possam relevar e devem ser precisas as valorizações a cada um deles atribuídas (v. g. através da definição de grelhas de pontuação), por forma a que seja possível conhecer os factores tidos em conta na graduação de cada candidato, a sua importância singular e a sua importância relativa.
Só uma graduação explícita e, portanto, controlável garante a tutela do mérito e salvaguarda o CSM da crítica de motivações obscuras.
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Isabel Pais Martins
Juíza Desembargadora

A IMPORTÂNCIA DE UMA ELEIÇÃO

«A memória é uma paisagem contemplada de um comboio em movimento (...) São coisas que correm diante dos nossos olhos, sabemos que são reais, mas estão longe, não as podemos tocar. Algumas estão já tão longe e o comboio a avançar tão veloz que não temos a certeza de que realmente aconteceram».
As palavras de José Eduardo Agualusa vêm a propósito da necessidade de recuperar a memória quando enfrentamos, por vezes um pouco desinteressadamente, o acto eleitoral dos juízes para o órgão constitucional que gere afinal os nossos destinos.
É preciso não esquecer que a independência que todos os dias fazemos questão de manter nos mais pequenos actos da nossa rotina diária assenta num quadro constitucional onde o CSM se assume como garante fundamental do livre exercício da nossa actividade.
É preciso não esquecer que ao longo dos tempos o CSM tem sido objecto de directos e indirectos ataques por parte de quem não quer uma magistratura independente. Muitas vezes com sucesso.
É preciso não esquecer que os membros eleitos pelos juízes para o CSM são inequivocamente os garantes de uma total independência daquele órgão.
É preciso não esquecer que ao longo dos anos da sua existência não foram poucos os momentos em que a fragilidade organizativa do CSM só foi superada e sustentada pela força da independência dos seus membros eleitos pelos juízes.
É preciso referir que a independência dos juízes não tem que ser vista por todos da mesma maneira.
É preciso referir que a liberdade de pensar de forma diferente é a essência de uma cultura democrática que não pode estar ausente da magistratura.
É preciso recordar que essa maneira de pensar plural, tem vindo ao longo dos anos a ser consolidada como património de muitos juízes que apresentam as suas propostas a toda magistratura e enfrentam periodicamente as suas legítimas escolhas. E respeitam essas escolhas, honrando os seus compromissos.
O apelo à memória é um dos mais apelativos instrumentos de trabalhos dos juízes.
É este apelo que se torna necessário para entender as razões de um grupo que, com muita persistência e muito trabalho, tem vindo a expor e a expôr-se ao longo dos anos aos difíceis desafios de uma profissão aliciante e a forma de a exercer com dignidade.
Não sigo o pessimismo de José Gil quando refere que «o sentimento de responsabilidade por uma comunidade, por um país, parece ter desaparecido».
Ao assumir uma candidatura estes juízes com este programa apresentam-se. Responsabilizam-se.
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José Mouraz Lopes
Juiz de Direito