Monday, February 19

A INDEPENDÊNCIA E A PROMOÇÃO NA CARREIRA

A independência dos juízes como valor assenta na imposição de que os juízes, no exercício das suas funções jurisdicionais de titulares dos órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, se submetam apenas à lei e ao direito.
A independência como valor reclama a existência de instrumentos que o assegurem a independência como garantia. Nos instrumentos que visam garantir a independência incluem-se, nomeadamente, as regras sobre inamovibilidade, responsabilidade, exclusividade de funções, incompatibilidades e, também, o estatuto próprio, destinado a aprofundar, a concretizar e a dotar de eficácia essas regras.
A independência, seja interna (entre juízes), seja externa (no confronto com os outros poderes do Estado), constitui a garantia essencial do estatuto dos juízes e é reclamada pelo direito fundamental dos cidadãos a tribunais independentes e imparciais.
É no plano da tutela da independência que se situa o Conselho Superior da Magistratura.
Criado pela Constituição de 1976, surge como garantia do Estado de Direito democrático.
Concentrando os poderes de nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da acção disciplinar (artigo 217.º, n.º 1, da CRP), tem a natureza de órgão constitucional a que é atribuído um poder político-administrativo instrumental e vinculado à defesa da independência dos juízes.
Num sistema como é o nosso em que a magistratura judicial está organizada em carreira profissionalizada, subordinando-se o acesso aos tribunais de segunda instância e ao Supremo Tribunal de Justiça a concurso curricular, com prevalência do critério do mérito (artigo 215.º, nos 3 e 4, da CRP), a independência não pode ser apenas uma atitude pessoal; tem de apoiar-se nas condições de igualdade, de transparência, de tutela do mérito que são asseguradas às expectativas de promoção na carreira.
O acordo político-parlamentar para a reforma da Justiça, celebrado entre o PS e o PSD, anuncia, em traços gerais, «novidades» quanto à promoção na carreira.
Os concursos curriculares de acesso aos tribunais da Relação e ao Supremo Tribunal de Justiça incluirão uma apreciação pública do currículo dos candidatos perante um júri; composto pelo Presidente do Tribunal da Relação, um Juiz Desembargador e um Professor de Direito, no caso dos concursos de acesso aos tribunais de segunda instância, e pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, um Juiz Conselheiro e um Professor Catedrático de Direito, no caso dos concursos de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.
Quais são as razões que fundamentam esta intervenção cirúrgica numa matéria da maior importância para a carreira profissional dos juízes e quais são os reais fins com ela visados? Será que «não vale agitar fantasmas»?
Se o «pacto» não se atreve a alterações constitucionais, e continuando a caber, portanto, ao CSM os poderes de promoção dos juízes, não se alcança o sentido, a oportunidade e a utilidade dessa fase «obrigatória» de apreciação pública do currículo dos candidatos por júris constituídos à margem do CSM.
A não ser que, por via dessa apreciação pública do currículo, se queira vincular o CSM à «homologação» dos resultados a que conduzir, subtraindo-lhe, assim, a apreciação do mérito para a promoção. Essa hipótese, que é confortada pela quota «obrigatória» de um quinto dos lugares no Supremo Tribunal de Justiça reservada a juristas de mérito, não pertencentes às magistraturas, conformaria uma inadmissível intromissão na competência do CSM, na vertente da promoção dos juízes aos tribunais de segunda instância e ao Supremo Tribunal de Justiça, com o risco real de «controlo» da composição desses tribunais por lógicas alheias ao mérito.
Por isso, a candidatura, que tenho a honra de integrar, quer assegurar que os concursos de acesso aos tribunais de segunda instância e ao Supremo Tribunal de Justiça se mantenham no estrito âmbito do CSM, sem qualquer tipo de interferências externas que, directa ou indirectamente, o queiram ou possam condicionar.
A defesa da competência exclusiva do CSM, nesta matéria, implica, porém, a exigência de acrescidos rigor e transparência nos concursos de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, nos quais as margens de discricionariedade não estão, no quadro legal actual, eliminadas.
Para além dos factores a que a lei manda atender, devem ser concretizados todos os outros que possam relevar e devem ser precisas as valorizações a cada um deles atribuídas (v. g. através da definição de grelhas de pontuação), por forma a que seja possível conhecer os factores tidos em conta na graduação de cada candidato, a sua importância singular e a sua importância relativa.
Só uma graduação explícita e, portanto, controlável garante a tutela do mérito e salvaguarda o CSM da crítica de motivações obscuras.
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Isabel Pais Martins
Juíza Desembargadora