Thursday, December 7

ENTREVISTA AO SENHOR CONSELHEIRO VASQUES DINIS

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O porquê de uma candidatura a Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura.
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“…Não o faria se não tivesse a convicção de poder contribuir para que a comunidade faça justiça aos juízes de hoje, reconhecendo-lhes o empenho e a dedicação que herdaram dos seus antecessores e hão-de legar aos do futuro…”
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O Juiz Conselheiro Adelino César Vasques Dinis ingressou na magistratura em 1973, como Delegado do Procurador da República.
Após estágio nas Comarcas de Coimbra de Figueira da Foz, foi nomeado, em 1979, Juiz de Direito, cargo que exerceu, em Castelo Branco, no Tribunal de Instrução Criminal, no Tribunal do Trabalho e no Tribunal Judicial, e, em Tomar, como presidente dos tribunais colectivos do respectivo Círculo Judicial.
Enquanto Juiz Desembargador, desempenhou o cargo no Tribunal da Relação de Lisboa e, em comissão de serviço, no Conselho Superior da Magistratura, exerceu funções de inspector judicial.
Era vice-presidente da Relação de Lisboa, quando, em Janeiro de 2006, foi nomeado Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.
Em entrevista ao Justiça & Democracia, revela a disposição de se apresentar ao sufrágio, como candidato a Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, na próxima eleição para a designação dos vogais, cuja escolha compete aos juízes.
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Justiça & Democracia (JD) - Senhor Conselheiro, se lhe pedissem uma reflexão sobre o seu percurso profissional a que conclusões chegaria?
Vasques Dinis (VD) - Dos muitos ensinamentos resultantes do caminho percorrido, destaco duas ideias que me parecem importantes: podemos decidir partir e saber de onde, quando e como partimos, mas é incerto o lugar, o momento e o modo como chegamos, por isso a missão é, em cada momento... começar; o exercício do poder, qualquer que seja a sua fonte, só faz sentido quando assumido como serviço, o que supõe sob pena de se degradar em exercício de violência e de se tornar inútil, uma boa dose de generosidade, quer da parte de quem serve, quer daquele a quem o serviço se destina.
JD - O Juízes que estão a exercer na Primeira Instância chegarão um dia ao Supremo Tribunal de Justiça?
VD - Está em discussão pública a alteração das competências do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de restringir a sua intervenção, em matéria de recursos e, assim, reduzir o número de juízes. Bastará a concretização dessa medida, para limitar as expectativas dos actuais juízes da primeira instância de acederem ao nosso Mais Alto Tribunal. Por outro lado, não é seguro que se mantenham as actuais regras de acesso aos tribunais superiores, parecendo haver, da parte do poder político, a vontade de instituir a chamada carreira plana, que, na prática, implicaria uma maior redução daquelas expectativas.
JD - Os tempos estão conturbados para a justiça?
VD - O sentimento de confiança dos cidadãos no sistema de administração da justiça não atravessa um bom momento. Factores endógenos, como sejam, a desadequação de procedimentos legais às exigências de resposta, com qualidade e em tempo útil, a reduzida oferta de formação contínua dos profissionais, bem como, em muitos casos, a deficiência de equipamentos e das condições de trabalho, não servem para estimular a produtividade nem a qualidade dos serviços. O exponencial aumento do volume de litígios submetidos à apreciação dos tribunais e a diversificação da sua natureza, decorrentes de factores exógenos, não foram, atempadamente, prevenidos. Os resultados não são animadores. Mas não se conseguem melhores resultados impu-tando, exclusiva e insistentemente, à generalidade dos que, no dia-a-dia, procuram empenhadamente servir a justiça, tendo como resposta uma atmosfera desfavorável, na opinião pública, à qual são dados a conhecer, sobretudo, os aspectos negativos.
JD - Que caminhos, em sua opinião, poderão ser percorridos?
VD - A meu ver, a redução da litigiosidade nos tribunais depende, essencialmente, de uma mudança cultural, radicada no que designaria por educação cívica para o Direito, envolvendo todas as instituições ligadas à resolução de conflitos, associações, escolas, autarquias, comunicação social... Conhecer o Direito e respeitar as suas normas é respeitar o semelhante e prevenir o litígio. A curto prazo, devem ser incrementados os mecanismos extrajudiciais de auto-composição, estimulado o recurso à mediação e à arbitragem, e alargada a rede dos Julgados de Paz. No domínio judiciário, serão bem-vindas reformas que simplifiquem os trâmites processuais, sem pôr em causa as garantias das partes, e que permitam uma gestão eficiente dos recursos humanos e materiais.
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O conselho deve tomar a iniciativa de formular sugestões
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JD - O Conselho Superior da Magistratura deve intervir nas opções quanto à política Judiciária?
VD - As opções de política judiciária reflectem-se na gestão da magistratura judicial, uma das atribuições exclusivas do Conselho. Por isso, deve tomar posição sobre opções daquela natureza e mesmo tomar a iniciativa de formular sugestões, visto que dispõe, nessa matéria, de informação privilegiada.
JD - Quais as razões da decisão de se apresentar aos Juízes portugueses como candidato a Vice-Presidente do C.S.M.?
VD - A decisão é consequência de uma reflexão sobre o actual quadro de factores que condicionam a administração da justiça, pondo em risco o prestígio indispensável à confiança dos cidadãos no último reduto de garantia dos valores essenciais à existência individual e à vida colectiva, e da necessidade de responder a um apelo de consciência ao cumprimento de um dever, que, embora possa implicar o abandono de comodidades imediatas e, por ventura ilusórias, vale a pena, com entusiasmo, assumir. Não o faria se não me animasse um sentimento de muito respeito e confiança nas qualidades dos juízes portugueses, dotados, na sua esmagadora maioria, de elevado sentido de missão, expresso, em particular, na abnegação do seu labor. Não o faria se não tivesse a convicção de poder contribuir para que a comunidade faça justiça aos juízes de hoje, reconhecendo-lhes o empenho e a dedicação que herdaram dos seus antecessores e hão-de legar aos do futuro. Não o faria se não concebesse o Conselho como um lugar aberto aos juízes e à comunidade, em que, no respeito pela dignidade de cada um, todas as questões serão enfrentadas e resolvidas em ambiente de serenidade e clareza de atitudes, com lealdade, abertura de espírito, frontalidade e no respeito por todas as opiniões e sensibilidades. Não o faria, enfim, se não tivesse a consciência de que só a cooperação leal com todas as instâncias do poder, no respeito pelas atribuições de cada uma, tem virtualidade para gerar soluções eficazes para os problemas que se nos apresentam.
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O Conselho como um lugar aberto aos juízes e à comunidade
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JD - É possível fazer chegar essa mensagem a todos os Juízes?
VD - Acredito que sim. Acredito que, pela natureza da missão que lhes está confiada e que aceitaram, os juízes são particularmente sensíveis aos Valores que referi e empenhados em que a comunidade conheça melhor o funcionamento dos tribunais e tudo aquilo que condiciona o acto de julgar.
JD - Mas os Juízes estão atentos e cientes da necessidade de mudarem a sua forma de estar e intervir?
VD - Raros são os juízes que não sentem os malefícios do deficiente esclarecimento da opinião pública e a necessidade de ultrapassar os obstáculos que se colocam a uma completa informação sobre a realidade judiciária.
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A assessoria de imprensa é uma necessidade
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JD - Como comunicar com os media?
VD - Compatibilizar o direito à informação direito de informar e de ser informado , que é um direito fundamental, e o dever de reserva a que estão sujeitos os juízes não é tarefa fácil. O amadorismo, nesta matéria, pode ter consequências nefastas irreparáveis. A assessoria de imprensa é uma necessidade para estimular a confiança no exercício da função de soberania que aos tribunais está confiada. O Gabinete de Comunicação previsto no texto do projecto de proposta de lei, visando consagrar a autonomia administrativa do Conselho Superior da Magistratura, elaborado pelo Ministério da Justiça, pretende responder a tal necessidade. Enquanto não estiver em funcionamento aquele Gabinete, a lacuna poderá ser preenchida com a colaboração do Gabinete de Imprensa do Supremo Tribunal de Justiça.
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A contigentação é possível
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JD - É ou não possível a contigentação de processos?
VD - O estabelecimento de um número limite de processos atribuído a cada magistrado é uma necessidade, por razões de gestão operacional, de racionalização, de eficiência, e por razões de justiça, dentro do sistema, não sendo difícil encontrar critérios de valoração, consoante as áreas de jurisdição, como tem acontecido, sempre que se tratou de extinguir tribunais, modificar a sua competência material ou territorial, ou criar novos juízos. Refiro-me ao critério que conjuga o número de causas distribuídas com a sua natureza e complexidade, conduzindo à atribuição de uma pontuação, que seria uma base de trabalho aceitável.
JD - Os inspectores judiciais deverão ser sensíveis ao volume de trabalho e pautarem-se, na apreciação de mérito do inspeccionado, pelas tabelas de contigentação?
VD - O Regulamento das Inspecções Judiciais manda atender, para avaliação do mérito dos juízes, ao volume de serviço a seu cargo. A elaboração de tabelas de contingentação, segundo os critérios que referi, para aquele fim, afigura-se de utilidade indiscutível, pelo seu carácter de objectividade.
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Novas formas de contacto com os juízes
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JD - O C.S.M. pode estabelecer um novo paradigma de relacionamento com os Juízes?
VD - Como disse, o Conselho deve ser um espaço aberto aos juízes e estes como tal o devem encarar, o que nem sempre acontece. Todas as energias devem ser investidas em novas formas de contacto com os juízes, privilegiando, naturalmente, sem equívocos ou complexos, reuniões frequentes e regulares com a respectiva associação sindical.
JD- A carga processual não deixa tempo para o estudo e a investigação, não é possível um plano de formação que implique a dispensa de serviço por um mínimo de seis meses?
VD - A formação contínua é uma necessidade irrecusável, particularmente em áreas de jurisdição especializada, face à proliferação de legislação que procura responder à vertiginosa alteração das relações económicas, sociais e culturais. A questão envolve a criação de estruturas que não antevejo a curto prazo, face aos recursos existentes. Mas o projecto de diploma que já referi parece abrir a porta a um tal caminho, através da instituição do Gabinete para as Acções de Formação e Recrutamento.
JD - O que é mais importante para o cidadão, uma decisão em data supra, ou uma decisão ponderada?
VD - A ponderação é da essência das decisões judiciais. Não deve ser sacrificada, mesmo quando a lei imponha decisão imediata.
JD - Podem as decisões banais e simples serem sumariamente fundamentadas? Ou, em sua opinião, deve o juiz continuar a citar toda a doutrina e jurisprudência conhecida?
VD - Uma boa decisão é aquela que tem virtualidade para convencer os interessados de que o caso, mesmo simples, não foi resolvido arbitrariamente. Para tal conseguir, não é necessário, na maioria dos casos, exibir argumentos doutrinários e jurisprudenciais, que, revelando erudição, podem não ter o efeito de convencer da bondade da solução. O senso comum aconselha a expressão resumida, em linguagem clara e acessível, dos motivos da decisão.
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Maior investimento nas capacidades de relacionamento humano
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JD - Que tipo de formação deve ser ministrada pelo Centro de Estudos Judiciários aos candidatos a Juízes?
VD - A preparação dos magistrados deve, sem prejuízo da iniciação à prática judiciária, que não pode ser menosprezada, ter uma forte componente de aproximação às realidades culturais, sociais e económicas. Nesse sentido, é indispensável proporcionar-lhes o contacto directo de vivências menos conhecidas, por experiência própria. Dar-lhes a oportunidade de acompanhar os aspectos singulares de certas comunidades, o funcionamento de serviços, públicos e privados, captar os sentimentos individuais e colectivos, e perceber as razões de agir e comunicar em cada sector da sociedade. Estou a pensar, por exemplo, na presença efectiva junto de comunidades minoritárias, em estaleiros de grandes obras, estabelecimentos prisionais, departamentos policiais, mercados de valores..., não em meras visitas de estudo, esporádicas, mas com o tempo adequado a uma melhor percepção das realidades. Um maior investimento nas capacidades de relacionamento humano é uma vertente fundamental para afastar sentimentos de insegurança e intranquilidade, de quem inicia, muitas vezes em condições de isolamento, a profissão.
JD - Se for eleito, o que podem, a curto prazo, os Juízes esperar?
VD - Todo um esforço de mobilização de energias, que não dispensa o empenho de cada um, no sentido de revelar à comunidade o brio profissional e a qualidade do labor da generalidade dos juízes, sem esconder os problemas, as dificuldades, e, quando for caso disso, sem deixar de reconhecer a existência de casos, felizmente raros, de violação de deveres profissionais. Mais e melhor informação a cada um e aos corpos deles representativos para que os juízes sejam estimulados a contribuir individual ou colectivamente com as suas reflexões para a discussão das questões relativas à política judiciária, tão diversas que vão desde a organização do território e estrutura dos tribunais até à avaliação de resultados e do mérito, cuja objectividade será sempre perseguida.