Thursday, December 7

ENTREVISTA AO SENHOR CONSELHEIRO VASQUES DINIS

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O porquê de uma candidatura a Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura.
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“…Não o faria se não tivesse a convicção de poder contribuir para que a comunidade faça justiça aos juízes de hoje, reconhecendo-lhes o empenho e a dedicação que herdaram dos seus antecessores e hão-de legar aos do futuro…”
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O Juiz Conselheiro Adelino César Vasques Dinis ingressou na magistratura em 1973, como Delegado do Procurador da República.
Após estágio nas Comarcas de Coimbra de Figueira da Foz, foi nomeado, em 1979, Juiz de Direito, cargo que exerceu, em Castelo Branco, no Tribunal de Instrução Criminal, no Tribunal do Trabalho e no Tribunal Judicial, e, em Tomar, como presidente dos tribunais colectivos do respectivo Círculo Judicial.
Enquanto Juiz Desembargador, desempenhou o cargo no Tribunal da Relação de Lisboa e, em comissão de serviço, no Conselho Superior da Magistratura, exerceu funções de inspector judicial.
Era vice-presidente da Relação de Lisboa, quando, em Janeiro de 2006, foi nomeado Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.
Em entrevista ao Justiça & Democracia, revela a disposição de se apresentar ao sufrágio, como candidato a Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, na próxima eleição para a designação dos vogais, cuja escolha compete aos juízes.
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Justiça & Democracia (JD) - Senhor Conselheiro, se lhe pedissem uma reflexão sobre o seu percurso profissional a que conclusões chegaria?
Vasques Dinis (VD) - Dos muitos ensinamentos resultantes do caminho percorrido, destaco duas ideias que me parecem importantes: podemos decidir partir e saber de onde, quando e como partimos, mas é incerto o lugar, o momento e o modo como chegamos, por isso a missão é, em cada momento... começar; o exercício do poder, qualquer que seja a sua fonte, só faz sentido quando assumido como serviço, o que supõe sob pena de se degradar em exercício de violência e de se tornar inútil, uma boa dose de generosidade, quer da parte de quem serve, quer daquele a quem o serviço se destina.
JD - O Juízes que estão a exercer na Primeira Instância chegarão um dia ao Supremo Tribunal de Justiça?
VD - Está em discussão pública a alteração das competências do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de restringir a sua intervenção, em matéria de recursos e, assim, reduzir o número de juízes. Bastará a concretização dessa medida, para limitar as expectativas dos actuais juízes da primeira instância de acederem ao nosso Mais Alto Tribunal. Por outro lado, não é seguro que se mantenham as actuais regras de acesso aos tribunais superiores, parecendo haver, da parte do poder político, a vontade de instituir a chamada carreira plana, que, na prática, implicaria uma maior redução daquelas expectativas.
JD - Os tempos estão conturbados para a justiça?
VD - O sentimento de confiança dos cidadãos no sistema de administração da justiça não atravessa um bom momento. Factores endógenos, como sejam, a desadequação de procedimentos legais às exigências de resposta, com qualidade e em tempo útil, a reduzida oferta de formação contínua dos profissionais, bem como, em muitos casos, a deficiência de equipamentos e das condições de trabalho, não servem para estimular a produtividade nem a qualidade dos serviços. O exponencial aumento do volume de litígios submetidos à apreciação dos tribunais e a diversificação da sua natureza, decorrentes de factores exógenos, não foram, atempadamente, prevenidos. Os resultados não são animadores. Mas não se conseguem melhores resultados impu-tando, exclusiva e insistentemente, à generalidade dos que, no dia-a-dia, procuram empenhadamente servir a justiça, tendo como resposta uma atmosfera desfavorável, na opinião pública, à qual são dados a conhecer, sobretudo, os aspectos negativos.
JD - Que caminhos, em sua opinião, poderão ser percorridos?
VD - A meu ver, a redução da litigiosidade nos tribunais depende, essencialmente, de uma mudança cultural, radicada no que designaria por educação cívica para o Direito, envolvendo todas as instituições ligadas à resolução de conflitos, associações, escolas, autarquias, comunicação social... Conhecer o Direito e respeitar as suas normas é respeitar o semelhante e prevenir o litígio. A curto prazo, devem ser incrementados os mecanismos extrajudiciais de auto-composição, estimulado o recurso à mediação e à arbitragem, e alargada a rede dos Julgados de Paz. No domínio judiciário, serão bem-vindas reformas que simplifiquem os trâmites processuais, sem pôr em causa as garantias das partes, e que permitam uma gestão eficiente dos recursos humanos e materiais.
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O conselho deve tomar a iniciativa de formular sugestões
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JD - O Conselho Superior da Magistratura deve intervir nas opções quanto à política Judiciária?
VD - As opções de política judiciária reflectem-se na gestão da magistratura judicial, uma das atribuições exclusivas do Conselho. Por isso, deve tomar posição sobre opções daquela natureza e mesmo tomar a iniciativa de formular sugestões, visto que dispõe, nessa matéria, de informação privilegiada.
JD - Quais as razões da decisão de se apresentar aos Juízes portugueses como candidato a Vice-Presidente do C.S.M.?
VD - A decisão é consequência de uma reflexão sobre o actual quadro de factores que condicionam a administração da justiça, pondo em risco o prestígio indispensável à confiança dos cidadãos no último reduto de garantia dos valores essenciais à existência individual e à vida colectiva, e da necessidade de responder a um apelo de consciência ao cumprimento de um dever, que, embora possa implicar o abandono de comodidades imediatas e, por ventura ilusórias, vale a pena, com entusiasmo, assumir. Não o faria se não me animasse um sentimento de muito respeito e confiança nas qualidades dos juízes portugueses, dotados, na sua esmagadora maioria, de elevado sentido de missão, expresso, em particular, na abnegação do seu labor. Não o faria se não tivesse a convicção de poder contribuir para que a comunidade faça justiça aos juízes de hoje, reconhecendo-lhes o empenho e a dedicação que herdaram dos seus antecessores e hão-de legar aos do futuro. Não o faria se não concebesse o Conselho como um lugar aberto aos juízes e à comunidade, em que, no respeito pela dignidade de cada um, todas as questões serão enfrentadas e resolvidas em ambiente de serenidade e clareza de atitudes, com lealdade, abertura de espírito, frontalidade e no respeito por todas as opiniões e sensibilidades. Não o faria, enfim, se não tivesse a consciência de que só a cooperação leal com todas as instâncias do poder, no respeito pelas atribuições de cada uma, tem virtualidade para gerar soluções eficazes para os problemas que se nos apresentam.
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O Conselho como um lugar aberto aos juízes e à comunidade
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JD - É possível fazer chegar essa mensagem a todos os Juízes?
VD - Acredito que sim. Acredito que, pela natureza da missão que lhes está confiada e que aceitaram, os juízes são particularmente sensíveis aos Valores que referi e empenhados em que a comunidade conheça melhor o funcionamento dos tribunais e tudo aquilo que condiciona o acto de julgar.
JD - Mas os Juízes estão atentos e cientes da necessidade de mudarem a sua forma de estar e intervir?
VD - Raros são os juízes que não sentem os malefícios do deficiente esclarecimento da opinião pública e a necessidade de ultrapassar os obstáculos que se colocam a uma completa informação sobre a realidade judiciária.
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A assessoria de imprensa é uma necessidade
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JD - Como comunicar com os media?
VD - Compatibilizar o direito à informação direito de informar e de ser informado , que é um direito fundamental, e o dever de reserva a que estão sujeitos os juízes não é tarefa fácil. O amadorismo, nesta matéria, pode ter consequências nefastas irreparáveis. A assessoria de imprensa é uma necessidade para estimular a confiança no exercício da função de soberania que aos tribunais está confiada. O Gabinete de Comunicação previsto no texto do projecto de proposta de lei, visando consagrar a autonomia administrativa do Conselho Superior da Magistratura, elaborado pelo Ministério da Justiça, pretende responder a tal necessidade. Enquanto não estiver em funcionamento aquele Gabinete, a lacuna poderá ser preenchida com a colaboração do Gabinete de Imprensa do Supremo Tribunal de Justiça.
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A contigentação é possível
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JD - É ou não possível a contigentação de processos?
VD - O estabelecimento de um número limite de processos atribuído a cada magistrado é uma necessidade, por razões de gestão operacional, de racionalização, de eficiência, e por razões de justiça, dentro do sistema, não sendo difícil encontrar critérios de valoração, consoante as áreas de jurisdição, como tem acontecido, sempre que se tratou de extinguir tribunais, modificar a sua competência material ou territorial, ou criar novos juízos. Refiro-me ao critério que conjuga o número de causas distribuídas com a sua natureza e complexidade, conduzindo à atribuição de uma pontuação, que seria uma base de trabalho aceitável.
JD - Os inspectores judiciais deverão ser sensíveis ao volume de trabalho e pautarem-se, na apreciação de mérito do inspeccionado, pelas tabelas de contigentação?
VD - O Regulamento das Inspecções Judiciais manda atender, para avaliação do mérito dos juízes, ao volume de serviço a seu cargo. A elaboração de tabelas de contingentação, segundo os critérios que referi, para aquele fim, afigura-se de utilidade indiscutível, pelo seu carácter de objectividade.
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Novas formas de contacto com os juízes
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JD - O C.S.M. pode estabelecer um novo paradigma de relacionamento com os Juízes?
VD - Como disse, o Conselho deve ser um espaço aberto aos juízes e estes como tal o devem encarar, o que nem sempre acontece. Todas as energias devem ser investidas em novas formas de contacto com os juízes, privilegiando, naturalmente, sem equívocos ou complexos, reuniões frequentes e regulares com a respectiva associação sindical.
JD- A carga processual não deixa tempo para o estudo e a investigação, não é possível um plano de formação que implique a dispensa de serviço por um mínimo de seis meses?
VD - A formação contínua é uma necessidade irrecusável, particularmente em áreas de jurisdição especializada, face à proliferação de legislação que procura responder à vertiginosa alteração das relações económicas, sociais e culturais. A questão envolve a criação de estruturas que não antevejo a curto prazo, face aos recursos existentes. Mas o projecto de diploma que já referi parece abrir a porta a um tal caminho, através da instituição do Gabinete para as Acções de Formação e Recrutamento.
JD - O que é mais importante para o cidadão, uma decisão em data supra, ou uma decisão ponderada?
VD - A ponderação é da essência das decisões judiciais. Não deve ser sacrificada, mesmo quando a lei imponha decisão imediata.
JD - Podem as decisões banais e simples serem sumariamente fundamentadas? Ou, em sua opinião, deve o juiz continuar a citar toda a doutrina e jurisprudência conhecida?
VD - Uma boa decisão é aquela que tem virtualidade para convencer os interessados de que o caso, mesmo simples, não foi resolvido arbitrariamente. Para tal conseguir, não é necessário, na maioria dos casos, exibir argumentos doutrinários e jurisprudenciais, que, revelando erudição, podem não ter o efeito de convencer da bondade da solução. O senso comum aconselha a expressão resumida, em linguagem clara e acessível, dos motivos da decisão.
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Maior investimento nas capacidades de relacionamento humano
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JD - Que tipo de formação deve ser ministrada pelo Centro de Estudos Judiciários aos candidatos a Juízes?
VD - A preparação dos magistrados deve, sem prejuízo da iniciação à prática judiciária, que não pode ser menosprezada, ter uma forte componente de aproximação às realidades culturais, sociais e económicas. Nesse sentido, é indispensável proporcionar-lhes o contacto directo de vivências menos conhecidas, por experiência própria. Dar-lhes a oportunidade de acompanhar os aspectos singulares de certas comunidades, o funcionamento de serviços, públicos e privados, captar os sentimentos individuais e colectivos, e perceber as razões de agir e comunicar em cada sector da sociedade. Estou a pensar, por exemplo, na presença efectiva junto de comunidades minoritárias, em estaleiros de grandes obras, estabelecimentos prisionais, departamentos policiais, mercados de valores..., não em meras visitas de estudo, esporádicas, mas com o tempo adequado a uma melhor percepção das realidades. Um maior investimento nas capacidades de relacionamento humano é uma vertente fundamental para afastar sentimentos de insegurança e intranquilidade, de quem inicia, muitas vezes em condições de isolamento, a profissão.
JD - Se for eleito, o que podem, a curto prazo, os Juízes esperar?
VD - Todo um esforço de mobilização de energias, que não dispensa o empenho de cada um, no sentido de revelar à comunidade o brio profissional e a qualidade do labor da generalidade dos juízes, sem esconder os problemas, as dificuldades, e, quando for caso disso, sem deixar de reconhecer a existência de casos, felizmente raros, de violação de deveres profissionais. Mais e melhor informação a cada um e aos corpos deles representativos para que os juízes sejam estimulados a contribuir individual ou colectivamente com as suas reflexões para a discussão das questões relativas à política judiciária, tão diversas que vão desde a organização do território e estrutura dos tribunais até à avaliação de resultados e do mérito, cuja objectividade será sempre perseguida.

E porque não?

Sai este número do Justiça e Democracia numa ocasião em que os Juízes portugueses conhecem um novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e um novo Procurador Geral da República.

Ambos Juízes Conselheiros e ambos “protagonistas” de velhas disputas no seio da judicatura.

Embora correndo risco de não ser exacto na apreciação que irei fazer, e que me perdoem se assim for, não é possível deixar de comentar, com a máxima objectividade, a eleição do Dr. Noronha do Nascimento para Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e a nomeação do Dr. Pinto Monteiro para Procurador Geral da República.

Sinto-me particularmente à vontade para o fazer pois, quer pessoalmente, quer enquanto Presidente do Movimento Justiça e Democracia, sempre encontrei em ambos a simpatia e abertura necessária e mesmo, se me permitem, a amizade, para discutir os problemas com que se debatem os Juízes e a Justiça em Portugal, conhecendo o que pensam e o que os determina.

Não será preciso viver dentro da judicatura para saber que, pelo menos até há uma década atrás, os Juízes dividiam-se entre os que apoiavam o Dr. Noronha do Nascimento e os que apoiavam o Dr. Pinto Monteiro.

Em bom rigor essa divisão era mais uma espécie de “clubite” apaixonada do que verdadeira e sentida divergência intelectual quanto a quaisquer opções sobre a política judiciária.

Talvez fosse essa a razão que os levava a alimentar a ideia de não serem pessoas das mesmas relações, mas, e quem os conhecer bem sabe que assim é, cada um nutria um recíproco respeito pelo outro e, disfarçadamente, acabavam por revelar alguma amizade com diversas manifestações de apreço.

Quando o Movimento Justiça e Democracia surgiu, espontaneamente no meio deste quadro, procurou-se saber, até à exaustão, de que lado estaria.

Foi difícil explicar que se tratava de algo novo, sem quaisquer ligações a nenhum dos chamados “lados”, e que se fundava num programa ideológico próprio com ideias muito precisas quanto ao tipo de Justiça que os tribunais deviam praticar numa perspectiva de melhor servir os cidadãos, bem como qual o papel do Juiz e o que dele se devia esperar na nova sociedade democrática.

A afirmação de tal desiderato, levou a que o nosso percurso sempre fosse visto com alguma desconfiança por parte de alguns colegas que apenas conheciam, como “divergências” na classe, as acima referidas.

Hoje, julgo eu, dúvidas não haverá que o Movimento ocupou o seu lugar e procurará ocupar, na medida do possível, um espaço de reflexão e de discussão abrangente sem quaisquer sombras do passado.

É assim que, sem quaisquer reservas, e penso reflectir o pensamento de todos quantos integram o Movimento Justiça e Democracia, fazemos a nossa vénia a esses dois grandes Juízes que acabam de ocupar dois cargos fundamentais para a Justiça portuguesa, e, ao contrário do muito que se têm dito, acreditamos que, no que lhes estiver ao alcance, exercerão as suas funções longe de quaisquer polémicas passadas, entregando o melhor de si a uma causa comum.

Mas importará ainda eleger o novo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura e os novos Vogais desse órgão.

Aproximam-se as eleições e é com uma distinta honra que o Movimento Justiça e Democracia irá apoiar o Conselheiro Vasques Dinis nessa caminhada.

Seria desejável que o programa e a lista de candidatos, a apresentar oportunamente pelo Conselheiro Vasques Dinis, merecesse a confiança de todos os Juízes, aproveitando-se agora a nova Lei Orgânica desse órgão por forma a criar um ponto de viragem entre o que foi e o que será um novo Conselho Superior da Magistratura, com meios para agir, com meios para intervir e com capacidades acrescidas para representar condignamente o Poder Judicial.

Assumindo o Conselheiro Noronha do Nascimento a Presidência daquele órgão, por inerência do cargo para que foi eleito, e o Conselheiro Vasques Dinis a sua Vice-Presidência, nenhumas dúvidas haveriam sobre as reais capacidades de transformação que seriam possíveis implementar no governo dos Juízes portugueses.

A caminhada para uma verdadeira independência do Poder Judicial, com a atribuição de autonomia administrativa e financeira ao Conselho Superior da Magistratura, dotando-o de meios para se assumir como único órgão de gestão dos Juízes, deixaria, talvez, de ser um horizonte tão distante.

Assim se espera.

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Raul Esteves

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Tuesday, December 5

Entrevista

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Professora Catedrática
Doutora Anabela Miranda Rodrigues
Directora do Centro de Estudos Judiciários
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JD - A nomeação para a Direcção do Centro de Estudos Judiciários de uma personalidade exterior aos quadros das magistraturas gerou na ocasião alguma polémica. Disse-se que o exercício da magistratura e o conhecimento da realidade dos Tribunais são imprescindíveis para quem assume a responsabilidade pela formação dos magistrados. O que levou uma professora universitária a aceitar ser a primeira directora não magistrada do Centro de Estudos Judiciários?
Prof. Dr.ª Anabela Rodrigues - Eu julgo que é redutor da própria ideia do exercício da função dos magistrados pensar que só um magistrado pode estar à frente da direcção do Centro de Estudos Judiciários. O que eu quero dizer é que deve enriquecer a formação de magistrados um plus em relação ao exercício da magistratura e ao funcionamento interno do Tribunais. E se esse plus não tem que ser trazido por um não magistrado, tem que ser trazido por um cidadão atento ao que deve ser a função dos Tribunais na sociedade actual que esteja empenhado na formação de magistrados aptos a desempenhar uma função que não requer apenas competências técnicas. Penso que a direcção do Centro de Estudos Judiciários tem, necessariamente, que incluir magistrados e neste ponto estou inteiramente de acordo com a lei actual, designadamente quanto à fase de formação inicial que decorre nos Tribunais: é essencial que junto de cada magistratura a orientação da formação seja assegurada por dois magistrados, um de cada magistratura. Para além disso acho que as opções que fiz quanto à constituição da actual direcção reflectem uma preocupação de fazer confluir vários olhares sobre a formação de magistrados, de conseguir um equilíbrio através de experiências e de conhecimentos diversificados que contribuem de forma diferente para o resultado final.
JD - Que balanço faz destes quase dois anos na direcção do Centro de Estudos Judiciários? Que mais valia pensa ter trazido à formação dos magistrados portugueses?
Prof. Dr.ª Anabela Rodrigues - Encaro estes quase dois anos como um tempo de permanente desafio em que foi possível desenvolver um trabalho muito intenso e em que se procurou inovar. É para mim gratificante e recompesador pensar que lançamos uma reforma curricular para o 1º e 3º ciclos da formação inicial e que, através de medidas que procuramos concretizar no terreno, se vem procurando alcançar certos objectivos no 2º ciclo e na fase de estágio. Aqui devo dizer que o papel dos directores das delegações distritais tem sido fundamental, em especial no envolvimento dos formadores nos Tribunais e dos formadores no Centro de Estudos Judiciários, lançando as necessárias pontes entre a formação que decorre sob a orientação de uns e outros.
Relativamente à fase de formação nos Tribunais gostaria de destacar a preocupação de fixar orientações gerais cujo objectivo é a desejável uniformização de procedimentos, por um lado, e, por outro lado, o reavivar de sistemas de comunicação entre os Tribunais e o Centro de Estudos Judiciários, tudo em ordem a facultar aos Conselhos Superiores as necessárias informações sobre o desenvolvimento desta fase tão importante e que visa a progressiva autonomização do magistrado.
JD - O Centro de Estudos Judiciários e o modelo de formação actualmente existente em Portugal representam um dos vários modelos possíveis da formação de magistrados, vigorando noutros países, nomeadamente na União Europeia, sistemas muito diversos.
Pensa que o modelo vigente em Portugal é o ideal e aquele que possibilita a melhor qualificação profissional de ambas as magistraturas?
Prof. Dr.ª Anabela Rodrigues - Não acho que haja um sistema ideal ou perfeito de formação, mas o nosso modelo de formação assenta em dois pressupostos que eu reputo de essenciais: por um lado a institucionalização da formação e por outro lado a autonomia da formação.
Quanto à institucionalização da formação eu entendo que ela é um pressuposto essencial porque entendo que a mera formação “on job” é empobrecedora e que a perspectiva teórico-prática desenvolvida e enquadrada no Centro de Estudos Judiciários e pelo Centro de Estudos Judiciários é uma mais valia.
Quanto à autonomia do Centro de Estudos Judiciários, que é um dos seus traços caracterizadores mais importantes, mesmo no contexto internacional, é um aspecto a preservar porque permite encontrar um ponto de equilíbrio entre o poder político e as magistraturas.
Esta é uma especificidade do Centro de Estudos Judiciários: na composição dos seus órgãos principais, um definidor da política da formação e outro de cariz mais pedagógico, radica a legitimidade para o processo de selecção e recrutamento dos magistrados através da formação.
Nesta base, tendo por bons os pressupostos em que assenta o actual modelo da formação, eu julgo que é possível e desejável dar um passo decisivo no sentido da reforma da Lei do Centro de Estudos Judiciários. É público que defendo que essa reforma é necessária e que é urgente e, por isso estamos a levar a efeito uma reflexão interna em que estão a ser equacionados vários temas relativos à formação.
JD - Quais são os principais vectores na definição de uma estratégia de recrutamento e de formação inicial e permanente de magistrados?
Que mudanças propõe ou estão em curso para melhorar a formação dos magistrados portugueses, desde os testes de admissão à formação permanente?
Prof. Dr.ª Anabela Rodrigues - Como disse está em curso uma reflexão interna que é alicerçada na experiência dos vinte e cinco anos de formação que o Centro de Estudos Judiciários comemora. Esta reflexão foi aberta aos contributos dos mais diversos quadrantes que nos chegaram nomeadamente através de um seminário-debate que foi, para nós, bastante enriquecedor.
No âmbito da reforma há vários aspectos que se podem equacionar e desde logo o ingresso, a propósito do qual há aspectos nevrálgicos em discussão como o do tempo de espera de dois anos para o licenciado se poder candidatar à magistratura ou a possibilidade de se repensarem vias diversificadas de ingresso nas magistraturas por forma a que seja considerado algum tipo de experiência profissional de base jurídica. É importante ter presente que o desenvolvimento do chamado “Processo de Bolonha” requer da nossa parte muita atenção, neste momento.
Depois devem também ser equacionado o tempo e os moldes em que deve ser feita a formação inicial. Neste ponto relembro a questão da opção pela magistratura que há que analisar à luz da diferenciação funcional constitucionalmente consagrada entre as magistraturas e que se poderá reflectir nos moldes da formação inicial. De qualquer modo continuo a pensar que uma formação comum é a que melhor serve a consolidação do estatuto de autonomia alcançado pelo Ministério Público, para além de que a muito invocada mas nem por isso menos importante cultura judiciária comum é um valor que se deve preservar, senão mesmo fomentar.
Ainda no que respeita ao ingresso e ao “Processo de Bolonha” a questão que se levanta é a de saber se a licenciatura em Direito ou o chamado “primeiro ciclo” para falar em termos mais adequados aos novos programas de ensino nas Faculdades, deverá ser a base da candidatura ao Centro de Estudos Judiciários ou se será de exigir algo mais: o “segundo ciclo” ou pelo menos o chamado “curso de especialização” do “segundo ciclo”. E sem querer tomar posição definitiva quanto a isso a direcção do Centro de Estudos Judiciários já manifestou a sua posição no sentido de que pelo menos o “curso de especialização” deve ser exigido para uma candidatura ao Centro de Estudos Judiciários. Teremos então quatro anos mais um como base da candidatura ao Centro de Estudos Judiciários.
No que respeita à formação contínua (para não entrar na distinção entre formação complementar e permanente) que é um conceito mais amplo de formação que deve ser visto como um processo que se desenvolve ao longo da vida há que entendê-lo não só como um direito mas também como um dever para o magistrado. É à luz deste entendimento que a formação contínua deve ser equacionada tendo em vista obter uma melhor articulação com a carreira do magistrado, passando nalguns casos por uma formação especializada.
Penso que a este nível deve ser feito um grande investimento, pois a formação contínua é a melhor forma de dar resposta às exigências de actualização dos magistrados face a uma realidade social e uma legislação em constante mutação.
A direcção e os órgãos de gestão do Centro de Estudos Judiciários têm um plano e uma estratégia bem definidos e já em execução, de que a alteração da Lei do Centro de Estudos Judiciários é apenas um dos vectores. Há mais dois, ambos já realizados: a reforma curricular e os ajustamentos introduzidos ao nível do concurso de ingresso.
JD - Pensa que existe um “perfil” de magistrado, um conjunto de características pessoais e profissionais que, de modo tendencialmente uniforme, todos os magistrados devem possuir e desenvolver?
Que magistrados pretende que sejam formados no Centro de Estudos Judiciários?
Prof. Dr.ª Anabela Rodrigues - Eu não penso que exista ou sequer que deva existir um “perfil” de magistrado. Isto está intimamente ligado com a formação e com o tipo de formação que se deve dar. A formação não pode ser homogeneizante ou exercer-se sem qualidades plásticas. O magistrado não tem que ter um perfil; o magistrado tem que ter rosto, que ser uma pessoa inserida na sociedade, que vive o seu tempo, as suas contradições e as suas interrogações. Não há um perfil onde o magistrado se deva encaixar para responder à riqueza da sociedade actual e às exigências da realização do direito nesta sociedade altamente complexa e em mutação permanente e atravessada por muitas tensões, por muitas forças. A aproximação à prática exige que o magistrado não se centre exclusivamente em aspectos do caso com relevância jurídica: o magistrado não pode menosprezar os aspectos da vida que estão presentes no caso. É isso que faz da função judiciária uma das mais difíceis e mais complexas. Se bastassem as competências técnicas ainda poderíamos apontar para um perfil mas a verdade é que não basta, sendo necessário possuir um conjunto de qualidades humanas que permitam apreender e compreender a realidade.
Não quero dizer com isto que o magistrado deva deixar de ser magistrado para ser sociólogo ou psicólogo ou gestor. Saliento que a pré compreensão jurídica deve presidir às decisões do magistrado.
Apenas a ciência do direito faculta a decisão jurídica. Direi, sem hesitações, que o acesso às magistraturas não tem por que ser aberto a não licenciados em direito. As especificidades de certas matérias jurídicas devem ser atalhadas com assessoria técnica - estou a pensar nos Tribunais de Família e Menores, nos Tribunais de Comércio, etc.
Aliás se nós fizermos um cotejo dos países da União Europeia - e já somos vinte e cinco - o único país em que o acesso à magistratura é facultado a não licenciados em Direito é a França, mas os candidatos à magistratura nesses condições têm que se submeter a provas de acesso em que demonstram os seus conhecimentos … em Direito.
JD - O Centro de Estudos Judiciários tem sido criticado por alguns sectores de opinião pelo pouco peso curricular de algumas matérias, como os Direitos Humanos e o Direito Constitucional, a psicologia e a sociologia, por exemplo, que, devendo estar presentes no processo de decisão, não são suficientemente tratadas nas Faculdades de Direito. Há ainda quem critique o Centro de Estudos Judiciários pelo facto de não incutir nos futuros magistrados uma maior abertura ao relacionamento com outros profissionais do foro e à sociedade em geral.
Que comentário lhe merecem essas críticas?
O que tem o Centro de Estudos Judiciários feito para lhes pôr cobro?
Prof. Dr.ª Anabela Rodrigues - Tendo em conta o que acabei de dizer a propósito das exigências da prática judiciária, do que é ser magistrado hoje, é natural que o Centro de Estudos Judiciários se tenha preocupado e, mais do que isso, levado a efeito uma reforma curricular (que já está em vigor) que considera, precisamente, a aquisição e o desenvolvimento de competências técnicas e pessoais adaptadas às novas realidades.
O curriculum tradicional era estruturado em torno das quatro grandes áreas (direito civil, comercial, penal, família e crianças e trabalho e empresa) e hoje a inovação e a complexidade sociais, o alargamento das fronteiras do direito, a integração no espaço da união europeia, a intersecção do agir judiciário com o desenvolvimento económico, as tecnologias da informação e da comunicação não podem deixar de ser tomadas em conta no processo de formação. O que fizemos foi reestruturar o curriculum em que se introduziram novas disciplinas jurídicas e não jurídicas com espaço curricular próprio e peso na avaliação. Os exemplos que deu são elucidativos da importância que deviam merecer e que mereceram esses temas na nossa reforma. Hoje fazem parte do “programa” disciplinas jurídicas como direitos fundamentais, direito constitucional, direito internacional e da união europeia, organização e metodologia do discurso judiciário, organização e gestão do inquérito e disciplinas não jurídicas como psicologia e sociologia judiciárias, mediação, contabilidade e gestão financeira, medicina legal, ética e deontologia.
Não quero com isto dizer que estas matérias não fossem já tidas em conta na formação, através de seminários. O que agora se fez foi inclui-las no programa de estudos e sujeitá-las a avaliação.
Gostaria de acentuar que, após a avaliação que fizemos do primeiro ciclo, propusemos já um reforço nas matérias de direitos fundamentais e de direito constitucional e de ética e deontologia.
JD - Vinte e cinco anos de actividade depois, que contributo pensa ter dado o Centro de Estudos Judiciários para a mudança no sentido do melhor funcionamento da administração da Justiça em Portugal, em particular no que se refere à qualificação dos magistrados?
Prof. Dr.ª Anabela Rodrigues - A criação do Centro de Estudos Judiciários significou colocar a formação dos magistrados no lugar que lhe compete, como um dever do Estado, que vê o processo de ingresso nas magistraturas através da formação como uma das traves mestras do Estado de Direito. Pode dizer-se que hoje é generalizadamente reconhecido que o Centro de Estudos Judiciários vem contribuindo para uma melhor qualificação dos magistrados, procurando assegurar uma formação de excelência. A formação de excelência impõe um ratio docente auditor elevado, uma associação muito estreita entre docente e auditor, implica trabalho exigente e árduo e dedicação integral. É isso que se procura. A contrapartida desse esforço na formação é a possibilidade de uma carreira de magistrado, de um estatuto de magistrado à altura das exigentes funções inerentes à magistratura.
JD - Como tem o Centro de Estudos Judiciários, enquanto escola de formação de magistrados, enfrentado os compromissos inerentes à integração de Portugal na União Europeia e à sua ligação histórica aos países lusófonos?
Prof. Dr.ª Anabela Rodrigues - Há uma dimensão internacional que deve ser considerada na própria formação, tão importante como a dimensão do direito interno - não podemos esquecer que hoje muita da legislação com que os magistrados têm que lidar é comunitária ou tem origem na comunidade ou na união europeia.
O domínio do direito internacional e da união europeia é uma prioridade da formação inicial e permanente e que se concretiza, na formação inicial, na leccionação de uma disciplina de Direito Europeu Internacional que abrange os dois ciclos de formação no Centro de Estudos Judiciários (o 1º e o 3º ciclos), através de acções de formação permanente que versam estas temáticas, podendo também desenvolver-se em acções com parceiros estrangeiros, por exemplo, através de programas europeus de intercâmbio de auditores ou de magistrados. Esta é uma dimensão. Aliás devo dizer que, uma vez que Portugal vai presidir à União Europeia no segundo semestre de 2007, o Centro de Estudos Judiciários se propõe organizar um número acrescido de actividades desta índole (intercâmbio de magistrados e outros similares).
Não podemos também esquecer o espaço do Conselho da Europa e da colaboração que se vem estabelecendo com países que não pertencem à União Europeia, nomeadamente no que toca à execução de projectos de formação de formadores.
Para além disso - e essa é outra dimensão - o Centro de Estudos Judiciários tem compromissos assumidos no âmbito das redes internacionais de escolas de formação de magistrados que requerem muito do nosso esforço. Destacaria a Rede Europeia de Formação Judiciária de que o Centro de Estudos Judiciários é membro eleito desde Dezembro de 2004 do Comité de Direcção e Coordenador do Grupo das Relações Internacionais e ainda elemento do grupo de trabalho relativo à página web.
Quanto à cooperação com os Palops o Centro de Estudos Judiciários assegura a formação inicial de cooperantes de Angola, Moçambique, Guiné, S. Tomé e Cabo Verde, aceita magistrados brasileiros com o estatuto de observadores e coopera na formação de candidatos a magistrados e de magistrados sobretudo de Angola e Moçambique. Não posso ainda deixar de citar o programa PIRPALOP, cuja Fase I terminou em Junho e em que o Centro de Estudos Judiciários colaborou através dos seus docentes e que teve um êxito tal que para Fase II, de Junho de 2006 a Junho de 2008, já foi solicitada a nossa colaboração.
A verdade, porém, é que apesar disso a dimensão internacional não tem correspondência na estrutura orgânica do Centro de Estudos Judiciários e isso não vai deixar de ser considerada na reflexão que estamos a fazer.
JD - Que papel entende estar reservado ao Centro de Estudos Judiciários no processo de transformação da Justiça que muitos entendem como necessária e urgente?
Prof. Dr.ª Anabela Rodrigues - Na medida em que se formam os melhores magistrados, preparados para responder à nova dinâmica social o Centro de Estudos Judiciários está a contribuir, na sua área de competências, para a transformação da Justiça.
JD - Concorda que o que separa uma maioria absoluta constitucionalmente eleita de um poder absoluto exercido pela maioria é a independência dos Tribunais?
Como comenta o que tem sido entendido pelas magistraturas como sucessivas políticas de subalternização da função dos Tribunais e estratégia de afrontamento às magistraturas?
Prof. Dr.ª Anabela Rodrigues - Quanto ao primeiro aspecto diria que num sistema constitucional democrático nenhum órgão de soberania detêm poderes absolutos e que todos os poderes são controlados. O controlo jurisdicional não é a única forma do controlo num sistema democrático, há outras formas de controlo, como o controlo político feito pelos outros órgãos de soberania.
No que se refere ao controlo jurisdicional a independência real e efectiva dos Tribunais é uma marca desses sistemas democráticos e essa independência real e efectiva afere-se através do controlo jurisdicional dos actos do poder, da efectivação das garantias de acesso aos Tribunais e dos critérios de selecção dos casos que podem ser objecto de apreciação jurisdicional.
Quanto ao segundo aspecto o que me pede é um comentário a um comentário. Direi que o conflito é próprio de um sistema democrático aberto e que leituras diferentes são normais e igualmente respeitáveis.
Está em causa um processo de mudança que não pode reduzir-se à discussão dos aspectos sócio profissionais; mas tais aspectos são muito importantes para a mudança e para a qualidade do sistema. Neste contexto diria que não se pode esquecer que o processo de mudança se deve fazer com as pessoas.
JD - Acredita que o Povo Português confia na Justiça do seu país e nas decisões dos seus magistrados e que defende a independência dos Tribunais e a separação de poderes como forma de realizar o Estado de Direito?
Prof. Dr.ª Anabela Rodrigues - Hoje vive-se um tempo de crises: a crise da Justiça aliada à propalada falta de confiança nos Tribunais é um dos exemplos dessas crises.
Diria tão só que esta crise é mais rica do que à primeira vista poderia parecer e que ela traduz afinal um confronto, uma tensão - que é positiva - entre unidade e diversidade, universalização e multicul-turalismo, entre homogeneização e ato-mização, no fundo tensões que marcam a sociedade contemporânea e que atingem a realização da Justiça. É um tempo de pulsões contraditórias que é estimulante viver mas, do mesmo passo, é um tempo muito exigente para a Justiça. As crises são indispensáveis ao crescimento e se nós pensarmos que são próprias do cres-cimento isso significa que são próprias de seres, entidades e instituições que estão em plena pujança, em pleno vigor, em transformação. Nesse sentido as crises são positivas.
Quanto à crise da Justiça ela existe por que se exigem hoje da Justiça respostas que não se exigiam antes, por força da democratização e da expansão do siste-ma de Justiça.
A democratização faculta o amplo acesso dos cidadãos aos Tribunais para defesa dos seus direitos - o que em si mesmo é positivo mas pode ser um factor da crise;
A expansão do próprio sistema da Jus-tiça leva-o a intervir em áreas que corres-pondem a áreas novas e de interesses novos. Concretizando: defender hoje o interesse da vida - que é inquestionavel-mente um interesse a defender - é alta-mente problemático no âmbito das ques-tões relativas ao aborto ou à eutanásia que são aspectos relativos aos limites do interesse da vida; O mesmo vale para os interesses novos como os interesses liga-dos ao ambiente ou ao desenvolvimento de novas tecnologias relacionados com a procriação medicamente assistida.
Portanto eu diria que os Tribunais continuam a ser a referência do Estado de Direito mas que o perfil de exigência é que é muito elevado, e por isso, parece por vezes que há uma desconfiança em relação às respostas da Justiça que, em meu entender, é uma desconfiança me-ramente aparente. É porque o perfil de exigência é muito elevado que se gera esse mal estar.
JD - Que medidas concretas entende como mais necessárias para melhorar o estado da administração da Justiça em Portugal e a confiança dos cidadãos na Justiça que é feita em seu nome?
Prof. Dr.ª Anabela Rodrigues - Uma das medidas passa, seguramente pelo investimento que deve ser feito - e que está a ser feito - ao nível da formação de magistrados.
JD - Que mensagem gostaria de deixar aos magistrados que agora iniciam as suas funções nos Tribunais?
Prof. Dr.ª Anabela Rodrigues - Relembro-lhes que estão a prestar um serviço à comunidade, aos cidadãos, que ser magistrado é ser alguém que intervêm na vida dos outros qualquer que seja a decisão que tome, que em poucas profissões o factor humano é tão decisivo e se exige uma interacção tão delicada com a sociedade.
Ser magistrado tem de traduzir um equilíbrio entre a arte prática e a ciência aplicada e isso, reconhece-se, é um enorme desafio para os magistrados.
De resto digo-lhes que exerçam a sua função com seriedade, rigor e competência, mas mais, com dedicação, com entusiasmo, com alegria. Aos magistrados do XXIII Curso que está para sair do Centro de Estudos Judiciários desejo-lhes, acima de tudo, que sejam felizes.